Wednesday, November 7, 2012

Da Arbitragem no Japão e na China

José Cretella Neto

SUMÁRIO: Introdução – Por que Estudar a Arbitragem no Japão e na China; 1 Arbitragem no Japão; 2
Arbitragem na China; Considerações Finais; Referências; Documentos oficiais e sites.

RESUMO
Este artigo aborda a recente evolução da prática legislativa e contratual em matéria de arbitragem no Japão
e na China. Parceiros comerciais importantes do Brasil, estes países revelam que passam por processo de
saudável aumento na confiança dos especialistas e empresários na arbitragem como método de solução
de controvérsias, sobretudo em matéria de contratos internacionais.

INTRODUÇÃO – POR QUE ESTUDAR A ARBITRAGEM
NO JAPÃO E NA CHINA

Embora a arbitragem venha sendo objeto de aprofundados estudos acadêmicos já há décadas,
uma vez que constitui, atualmente, o mecanismo preferencial para a solução de litígios oriundos
de contratos internacionais, e praticamente todos os países do mundo aumentaram suas relações
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comerciais com os demais países no mesmo período, a arbitragem no Japão e na China não tem
recebido a devida atenção da doutrina.
Uma série de razões justifiça que nos debrucemos sobre o desenvolvimento da arbitragem
nesses dois países e não nos limitemos ao estudo do instituto somente nos EUA, na Europa e, em
menor escala, na América Latina, tal como tem sido feito.
Em primeiro lugar, o Japão, por anos consecutivos, foi o primeiro ou o segundo exportador de
mercadorias no comércio mundial e a China, atualmente a segunda economia do Mundo, deverá
ultrapassar a dos EUA em menos de duas décadas e continuar a exportar e a importar crescentes
volumes de produtos e serviços.
Em segundo lugar, em decorrência justamente do mencionado incremento do comércio
internacional, o número de contratos internacionais com empresas desses países também aumentou
em número e em volumes transacionados.
Em terceiro lugar, o instituto da arbitragem reforçou-se nesses dois países, tendo sido objeto de novas
leis e aprimoramento das instituições dedicadas à solução de controvérsias comerciais. Em especial, a
China, economia que registra, há mais de 20 anos, impressionante crescimento, com taxas anuais de
dois dígitos, dedicou-se a aprimorar a arbitragem, pois a necessidade de aumentar a segurança jurídica
de suas transações comerciais foi sempre objeto de pressões da comunidade internacional.
Outro aspecto que merece ser ressaltado é o de que a execução de laudos arbitrais sofre cada
vez menos resistência dos Poderes Judiciários internos, o que confere maior segurança jurídica aos
parceiros comerciais de outras regiões que se envolvem em transações com Japão e China.
O Brasil tem no Japão um tradicional parceiro comercial, que investe em nosso país há décadas,
em especial nos setores siderúrgico, da construção naval, de veículos e dos eletroeletrônicos.
Além do Japão, registra-se notável estreitamento das relações comerciais com a China, em especial
a partir de meados dos anos 1990, tornando esse país um destinatário importante de nossos produtos
primários – minério de ferro, soja, carnes –, bem como de produtos manufaturados, como aviões.
Já o Brasil adquire variadíssima gama de produtos de consumo fabricados na China, por empresas
transnacionais que deslocaram linhas de produção para aquele país, bem como por empresas chinesas,
que já adquiriram a necessária expertise para fabricar produtos de qualidade.
Por derradeiro, a China parece inclinada a investir fortemente no Brasil em determinados setores,
como a mineração, premida por uma necessidade crescente e quase insaciável de matérias-primas
para manter suas inigualáveis taxas de crescimento econômico.
É precisamente a crescente presença brasileira nas pautas comerciais de e para o Japão e para
a China que nos leva a elaborar o presente estudo, em especial porque a doutrina brasileira, com
raríssimas exceções, ainda não o fez.

1 ARBITRAGEM NO JAPÃO

Discussões acadêmicas sobre o Direito japonês, tanto no Japão quanto em países ocidentais,
sempre enfatizaram o baixo grau de litigiosidade da sociedade nipônica, o que é facilmente percebido
pelo número reduzido de ações cíveis no país, quando comparado com o de outras nações
industrializadas.
Duas correntes explicam esse fenômeno: de um lado, os “institucionalistas” (ou objetivistas),
que entendem que as dificuldades do sistema judicial japonês criam entraves à sua mais ampla
utilização; e os “culturalistas” (ou subjetivistas), os quais consideram que, mesmo que esses
obstáculos fossem removidos, a frequência com que os japoneses levam seus litígios à solução
judicial permaneceria baixa, pois a sociedade, em geral, prefere métodos não confrontacionais de
solução de controvérsias2.
Essa baixa utilização de métodos confrontacionais de solução de litígios resulta igualmente
em menor recurso à arbitragem pela comunidade de negócios japonesa, ainda que, como é
sabido, esse método consista em procedimento bastante menos formal do que o imposto pelo
sistema judicial estatal.
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A corrente culturalista prevaleceu até o final dos anos 1970, liderada pelo mais famoso teórico
japonês da época, Takeyoshi Kawashima. Em artigo que refletiu bem a opinião prevalecente no
período, os autores afirmaram: “disputes are regarded [no Japão] as abnormal disruptions of the
harmony of life, not to be foreseen in human affairs, human affairs being secured by bonds of love
and benevolence”3. Vê-se, portanto, nessa posição, a ênfase no consenso na conciliação e nas
negociações em geral, com vistas a manter a harmonia social4.
Os institucionalistas adotaram a visão oposta, entendendo que a baixa frequência de litígios deriva
de elementos completamente exteriores aos indivíduos. Essa corrente foi inaugurada em 1978, com
um artigo clássico da autoria de John Haley5, o qual, sem negar a cultura de resolução de litígios
com base no consenso, identificou fatores que dificultam ao extremo o acesso à justiça estatal: baixo
número de juízes6, limitados recursos de que dispõem os tribunais e a própria duração de processos
judiciais no Japão, todos fatores que desencorajam a busca por soluções de confronto.
O autor concluiu que o custo dos processos no Japão é proibitivo, demanda exagerado tempo e
resulta em decisões que deixam ambas as partes insatisfeitas. Comenta que um americano, confrontado
com essas dificuldades materiais, provavelmente buscaria outros meios para resolver seus litígios. Em
outras palavras, aspectos psicológicos dariam lugar a obstáculos de natureza prática, material7.
Essa corrente ganhou adeptos, como Mark Ramseyer, que ofereceu, em artigo8, o seguinte
argumento: uma vez que o sistema judicial conferia grande ênfase à coerência e à uniformidade
dos julgados, não havia necessidade de recorrer-se à justiça para solucionar a maioria dos casos,
pois já se sabia de antemão o resultado.
Deu, como exemplo, as indenizações por acidentes de trânsito, que passaram a ser tarifadas
segundo uma fórmula desenvolvida por iniciativa do Poder Judiciário, de forma que os pagamentos
devidos seguiam uma tabela predeterminada. Essa previsibilidade oferecia pouco incentivo ao litígio
judicial e provocava a celebração de acordos extrajudiciais em benefício de ambas as partes.
Uma terceira corrente, autointitulada de “sociocultural”, considera que as duas vertentes
anteriormente mencionadas explicam, cada qual apenas em parte, o fenômeno, mas deixam de
lado o que os defensores dessa última posição consideram a verdadeira explicação para a baixa
taxa de litígios, que é o reconhecimento de que existe uma profunda dicotomia entre as interações
socioeconômicas japonesas e o Direito japonês.
Devido a essa dicotomia, embora o sistema judicial possa resolver litígios de forma objetiva,
chegando a resultados concretos, as soluções não conseguem “resolver” os litígios. Daí concluírem
que, enquanto existir essa discordância, baixas taxas de litigiosidade continuarão a ser registradas. Na
realidade, essa terceira corrente não deixa de ser uma variante da corrente culturalista, e a expressão
“sociocultural” foi adotada pelo fato de que prefere colocar em relevo as relações sociais, e não
enveredar pelas características psicológicas dos indivíduos que formam a sociedade japonesa9.
Ocorre que nenhum desses doutrinadores procurou explicar a igualmente reduzida procura pela
arbitragem10, procedimento já previsto na Horei de 1890 (Lei nº 29), pois, se fosse meramente uma
questão de obstáculos formais ou institucionais, um procedimento mais fl exível permitiria superálos.
Quanto à questão de que a sociedade japonesa não vê com bons olhos pessoas que não se
compõem amigavelmente a arbitragem, procedimento sigiloso, não atrairia eventuais olhares de
reprovação social11.
Alguns críticos atribuem o insucesso da arbitragem ao fato de que a Lei de 1890 seria inadequada,
argumento insustentável, pois diversas decisões judiciais envolvendo arbitragem foram proferidas
por tribunais nipônicos, as quais, simultaneamente, tanto reforçavam o instituto quanto procuravam
aproximar a prática arbitral japonesa de padrões internacionais12.
A Suprema Corte do país, por exemplo, dando interpretação de pleno apoio à Lei de 1890, julgou,
já em 191813, que uma sentença arbitral deveria ser tratada como tendo a mesma força jurídica de uma
sentença judicial. E, embora a Constituição japonesa do pós-guerra confi ra a qualquer pessoa o direito
de ação14, vários tribunais japoneses de segunda instância, como a Suprema Corte de Osaka, uma das
oito mais importantes do país, já julgaram que um acordo de arbitragem não viola esse direito15.
Um importante julgado da Suprema Corte, de 1975, acolheu a doutrina da separação da cláusula
arbitral da validade do contrato16, pela qual uma cláusula arbitral pode ser executada ainda que o
contrato que a incluía já tenha terminado ou sua validade seja questionada.
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O Direito japonês consagra o direito de as partes indicarem a lei que governará sua relação
jurídica, embora o moderno diploma legal de Direito Internacional Privado, assim como a Horei de
1898, não mencionem explicitamente arbitragem, pois a lei usa apenas a expressão “ato jurídico”
(por ex., nos arts. 7º, 9º, 15 e 22). No entanto, os tribunais japoneses entendem que a regra se
aplica também aos contratos e à arbitragem17.
Pelo menos em relação a um aspecto, o acolhimento da arbitragem pelos tribunais do Japão
supera o nível de flexibilidade das convenções internacionais. Enquanto a Convenção de Nova Iorque
de 1958 e a Lei-Modelo da UNCITRAL preveem somente o reconhecimento de sentenças arbitrais
escritas, os tribunais japoneses mostram-se tradicionalmente dispostos a permitir a execução até
mesmo de acordos puramente verbais18.
Conquanto essa prática tenha sido eliminada, ao menos no Direito positivo, pela nova lei de
2003, que segue a Lei-Modelo da UNCITRAL, evidencia-se o surgimento de uma interpretação mais
liberal e extensa do significado da expressão “laudo escrito”19.
Recorde-se que o Japão é signatário da Convenção de Nova Iorque de 1958 e antes desta, da
Convenção de Genebra, de 1927, bem como de quatorze tratados bilaterais até agora celebrados20.
Além disso, não se registram casos de sentenças arbitrais estrangeiras cuja execução tenha
sido impedida pelos tribunais japoneses, nem casos de arbitragens realizadas no Japão anuladas
pela justiça nacional21.
É curioso notar a atitude progressista do Japão em relação ao reconhecimento de sentenças
arbitrais estrangeiras justamente porque, embora signatário da Convenção de Nova Iorque, o
Japão a subscreveu com uma importante reserva: a de que, para executar uma sentença arbitral
estrangeira, deveria haver reciprocidade entre o Japão e o Estado de onde provinha a sentença.
Contudo, os tribunais japoneses acolhem pedidos de execução de sentença arbitral estrangeira,
ainda que o Estado onde foi proferida nem mesmo seja signatário da Convenção de Nova Iorque
nem tenha acordo de reciprocidade com o Japão.
Isso signifi ca que a execução é possível no Japão, mesmo quando a questão da reciprocidade
pudesse constituir um problema23.
Em 04.06.1996, o Parlamento promulgou uma emenda à Lei de Medidas Especiais Relativas à
Profi ssão Jurídica por Advogados Estrangeiros, que foi promulgada oito dias depois como Lei Nº 65,
tendo entrado em vigor em 01.09.1996. Essa emenda autoriza advogados que atuem fora do Japão a
representar partes em procedimento arbitral quando o local da arbitragem estiver localizado em território
japonês e todas as partes ou alguma delas tiverem domicílio (jusho) fora do Japão ou principal centro
de negócios em um país estrangeiro. Um advogado japonês registrado como advogado estrangeiro
(Gaikokuho-jimu-bengoshi) também pode representar uma parte nessa espécie de caso.
Por sua vez, as Regras de Arbitragem da JCAA25, emendadas a partir de 01.01.2008, ampliam a
abrangência da arbitragem realizada sob os auspícios da instituição para todos os lugares do mundo.
Apesar de todos esses avanços nos mecanismos legais e institucionais, Tony Cole, estudioso da
arbitragem no Japão e Professor na Universidade de Warwick, não vê com otimismo o desenvolvimento
da arbitragem no Japão na atual situação; entende que a questão principal, agora, é colocar em prática
esses novos mecanismos criados e os já consolidados, bem como o de deixar de adotar determinadas
práticas tradicionais, como a de os árbitros japoneses se comportarem mais como mediadores do que
como julgadores, interferindo de modo a forçar solução negociada entre as partes.
Além disso, entende que, embora a Suprema Corte sempre tenha feito distinção entre arbitragem
nacional e internacional, embora a lei japonesa não as diferencie, difícil será vencer certa desconfiança
ainda existente na comunidade de negócios sobre a eficácia e a confiabilidade da arbitragem.

2 ARBITRAGEM NA CHINA

A partir das três últimas décadas do Século XX, o mundo assistiu, não sem um sentimento
misto, entre maravilhado e profundamente inquieto, ao extraordinário desenvolvimento econômico
da República Popular da China que é, sob qualquer aspecto, o mais significativo em toda a História:
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50 José Cretella Neto - Da arbitragem no Japão e na China
um país de cerca de 1,3 bilhão de habitantes conseguiu retirar mais de 300 milhões de pessoas
(equivalentes à população dos Estados Unidos da América), de um estado de profunda penúria
econômica (“linha de pobreza”28), elevando-as acima da linha de pobreza em apenas 25 anos.
A China não teria atingido seu atual patamar de desenvolvimento sem a participação de empresas
transnacionais no processo de rápida transformação atravessado pelo país e que continua em ritmo
intenso. Para isso, sob o aspecto jurídico, os contratos internacionais mereceram atenção especial
do legislador chinês e, nessa rubrica, inevitavelmente, a arbitragem comercial internacional foi
também objeto de regulamentação normativa.
É preciso mencionar, no entanto, que, em reportagem publicada no Jornal The New York
Times, o sistema judicial da China foi descrito como “a legal netherworld” (= um mundo jurídico
infernal)30.
Por essa razão, ao menos em tese, para investidores estrangeiros, a arbitragem ofereceria um
caminho para superar a corrupção e o protecionismo que vicejam nos tribunais locais.
Para suprir essa falta de instituições dedicadas à solução privada de controvérsias, o antigo
Conselho de Administração Governamental do Governo Popular Central criou a Comissão de
Arbitragem Comercial Internacional (Foreign Trade Arbitration Commission - FTAC), designação
anterior da atual China International Economic and Trade Arbitration Commission (CIETAC).
A China tem uma longa história de mediação e conciliação, mas, antes de meados dos anos
1950, inexistia arbitragem comercial internacional independente no país. Assim, quando surgiam
litígios entre uma parte chinesa e outra, estrangeira, estas se dirigiam a um centro de arbitragem
situado fora da China, apesar da relutância das empresas chinesas em fazê-lo31.
A organização manteve-se quase sem atuar e, nos 20 anos seguintes à entrada em funcionamento,
somente recebeu 100 casos32. Contudo, registra-se maior interesse  com a abertura
econômica para o exterior a partir de 1979, em especial da arbitragem comercial internacional.
Assim, em meados dos anos 1990, já se teria chegado à marca de 700 casos, e, em 2005,
1.000 litígios teriam sido levados às comissões de arbitragem pelas partes contratantes, mas esses
números, divulgados em sites oficiais e por autores que trabalham em universidades estatais
chinesas33, são fortemente contestados por pesquisadores independentes34.
A Lei de Arbitragem da República Popular da China35 foi adotada no final da 9ª Reunião do
Comitê Permanente do 8º Congresso Nacional do Partido, em 31.08.1994 e, contendo 80 artigos,
é um dos mais extensos diplomas legais nacionais existentes sobre a matéria36.
Contudo, a despeito de ser uma lei relativamente recente, não confere sufi ciente autonomia às
partes na arbitragem para indicarem os árbitros. As restrições dizem respeito tanto às qualificações
das pessoas que poderiam atuar nessa função quanto aos aspectos procedimentais de escolha37.
O art. 13 da lei determina que, para alguém atuar como árbitro, uma comissão de arbitragem
deverá indicá-lo (e não as partes) e que, além disso, este deverá, além de ser considerado pessoa
idônea, preencher os seguintes requisitos:
1. ter atuado em arbitragem pelo menos durante oito anos; ou
2. ter trabalhado como advogado pelo menos durante oito anos; ou
3. ter atuado como juiz de Direito pelo menos durante oito anos; ou
4. ter estado envolvido em pesquisa jurídica ou educação jurídica, sendo detentor de um título
acadêmico relevante; ou
5. ter adquirido conhecimentos jurídicos, trabalhando profissionalmente nos campos da
economia e comércio, sendo detentor de um título acadêmico relevante ou ter nível profissional
equivalente.
Uma comissão de arbitragem mantém registro individualizado dos árbitros, agrupados em
diferentes campos de especialização.
Autores chineses independentes de fora da “Mainland China”38 criticam contundentemente essas
restrições da lei, demonstrando que, em outros países, os critérios para escolha dos árbitros não
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preveem a obrigatoriedade da indicação por autoridades públicas antes do início da arbitragem sem
a participação dos litigantes.
As normas para indicação de árbitros, de fato, seguem dois modelos diferentes: a) primeiro,
a lei define as condições profissionais das quais uma pessoa deve ser portadora para poder atuar
como árbitro (qualificação estrita); b) segundo, a lei permite que as partes escolham livremente os
árbitros, ressalvados apenas aspectos morais e os princípios gerais do Direito (qualificação comum).
É prática inusitada que algum órgão governamental decida a respeito da competência profissional
dos árbitros em lugar de as partes fazê-lo. Apenas as legislações da China (República Popular da
China) e de Taiwan (República da China) estabelecem essas rígidas restrições pessoais.
Sem dúvida, a imposição de árbitros às partes, escolhidos por um comitê de arbitragem, formado
por membros cujas próprias qualificações não estão estipuladas em lei, certamente contraria o
espírito da autonomia da arbitragem, e não é encontrado em nenhuma legislação, exceto as já
citadas, da China e de Taiwan39.
Quanto às qualificações necessárias dos árbitros, constantes das exigências de nos 1, 2, 3 e
4 do art. 13 da lei chinesa, no entanto, só se pode aplaudir o rigor na escolha. Com efeito, não é
possível comparar a arbitragem feita em países sem experiência em arbitragem com outros que
têm longa tradição na matéria40.
No entanto, temos sérias reservas a que pessoas com experiência exclusivamente acadêmica
(exigência nº 4) possam atuar como árbitros, pois a arbitragem não se fundamenta apenas em teorias
jurídicas, e sim na prática do comércio internacional, que é dinâmica e depende de sensibilidade
específica, que só a vivência no mundo real propicia.
É bem verdade que as exigências para ser árbitro são bem mais rigorosas do que as existentes
na lei chinesa para que alguém se qualifique como juiz de Direito. De acordo com os arts. 9 e 12
da Lei da Magistratura da China, de 28.02.1995, para poder ser magistrado estatal naquele país o
candidato deverá: a) passar no exame nacional para a magistratura41; e b) demonstrar que possui
dois a três anos de experiência como advogado militante após concluir seus estudos, ou três a
quatro anos de trabalho profissional perante um Tribunal Distrital ou perante a Corte Suprema do
Povo. Isso significa que, embora o trabalho de juízes e árbitros seja formalmente semelhante, há
bem menos exigências para ser juiz estatal do que para ser árbitro privado.
Por outro lado, o Capítulo 7 da Lei de Arbitragem da China, dedicado exclusivamente a arbitragens
estrangeiras, inclui um dispositivo que regulamenta a indicação de árbitros estrangeiros, o art.
67. Esse artigo dispõe: “uma comissão de arbitragem internacional pode indicar árbitros entre
estrangeiros que detenham especiais conhecimentos nos campos do Direito, da Economia, do
Comércio, da Ciência e da Tecnologia, etc.”.
Esse dispositivo não faz remissão às restrições contidas no art. 13 e não se exigem qualificações
específicas de estrangeiros, aí incluídos cidadãos de Hong Kong, de Macau e de Taiwan42.
Particularmente, a expressão “... que detenham especiais conhecimentos nos campos...“ é vaga,
não contendo qualquer especificação objetiva, como anos de experiência ou algo semelhante. Além
disso, existem apenas algumas comissões de arbitragem internacional autorizadas a funcionar,
sendo as mais importantes a já mencionada CIETAC43 e a China Maritime Arbitration Commission
(CMAC)44, aptas a indicar árbitros para casos internacionais45.
A Lei Estatal de junho de 1996 aproximou as duas instituições e também autorizou comitês
locais a indicar árbitros para casos internacionais, bem como permitiu que tanto a CIETAC quanto
a CMAC indicassem árbitros para disputas nacionais.
Ora, se inicialmente se privilegiou a arbitragem internacional, após cerca de 15 anos (sem
qualquer atualização da Lei de Arbitragem46), ao convergirem as arbitragens nacionais e as
internacionais, parece não haver sentido em manter exigências diferentes para a indicação dos
respectivos árbitros.
Conforme explicou uma estudiosa da arbitragem na China, a razão pela qual as autoridades
chinesas tencionam manter a arbitragem sob controle é porque consideram que a solução de litígios
está vinculada à ordem social e, em certo sentido, é “pública”, e o Estado ditatorial chinês pretende
manter a sociedade sob rígido controle47.
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52 José Cretella Neto - Da arbitragem no Japão e na China
A influência política fica evidenciada pelo exame da Constituição Modelo das Comissões de
Arbitragem, norma promulgada pelo Conselho de Estado em 28.07.1995. A teor do Capítulo 4, cada
comissão pode interpretar as exigências do art. 13 da lei de arbitragem como melhor lhe aprouver,
o que significa que inexiste um padrão legal uniforme para aceitar o registro de interessados em
atuar como árbitros. E o art. 13 passa a servir como marco normativo de padrão mínimo.
Por exemplo, além das exigências do art. 13, a CIETAC e a GMAC promulgaram conjuntamente,
em 01.09.1995, uma norma designada como Dispositivos para a Indicação de Árbitros48, a qual,
além dos requisitos do art. 13, acresceu mais três exigências para que alguém possa ser árbitro
chinês. O interessado deve:

- Comprometer-se a observar as Regras, inclusive as Regras de Ética para Árbitros49, bem como
outras normas relevantes da Comissão de Arbitragem;
- Ter um bom conhecimento de um idioma estrangeiro, podendo adotá-lo como língua de
trabalho;
- Poder assegurar que terá tempo disponível para dedicar-se ao exame dos casos com base
nas Regras.

A dicotomia entre as exigências para árbitros nacionais e estrangeiros fica ainda mais evidente
quando se observa que, além das condições impostas pelo já mencionado art. 67, os estrangeiros
são obrigados a “observe the rules and regulations of the Arbitration Commission and to have some
knowledge of Chinese”50.
Essa exigência parece compensar os rigores da seleção de árbitros nacionais. Estudos
doutrinários51 têm demonstrado que, na prática, as exigências podem ser interpretadas de forma mais
flexível, adaptando-as às circunstâncias. Essa “flexibilidade” pode servir a finalidades protecionistas
ou discriminatórias em relação a determinadas pessoas, conforme caiam ou não nas boas graças
dos membros dos comitês.
Para ter-se ideia da criação de dificuldades, a qual, obviamente, podem ser contornadas se e
quando convier aos membros dos Comitês, basta examinar o que dizem as Medidas Administrativas
para a Indicação de Árbitros52, promulgadas pela Comissão de Arbitragem de Beijing, e em vigor
desde 01.09.2006. Para poder ser indicado pela Comissão de Arbitragem de Beijing, o interessado
deverá preencher, além das exigências do art. 13, também as seguintes:

- Comprometer-se a observar as Regras da Comissão de Arbitragem de Beijing;
- Atuar de modo independente e julgar os casos de forma eficaz e eficiente;
- Apresentar um excelente prontuário de serviços, bem como possuir conhecimentos e
experiência em um ou mais dos campos especializados, conforme exigido pelo art. 3 das Medidas
Administrativas;
- Ter idade inferior a 60 anos; caso a pessoa tenha atuado como árbitro único ou presidido
tribunais arbitrais, sendo, portanto, bastante experiente, a exigência de idade passa a ser de ter
menos de 75 anos, em princípio53.

Em contrapartida, um nacional de Hong Kong, de Macau, de Taiwan ou qualquer pessoa
proveniente de outro país, pode candidatar-se a ser escolhido árbitro, bastando, para isso, que
demonstre possuir sufi ciente experiência em arbitragem e dispor de tempo disponível para dedicar-se
com atenção aos casos submetidos54.
A respeito das normas examinadas, podem-se fazer duas observações principais: a primeira
é que a Comissão de Beijing estabeleceu normas mais rígidas do que o CIETAC; além disso, tanto
o CETAC quanto a Comissão de Beijing estabeleceram critérios diferentes para qualificar árbitros
chineses e estrangeiros, apenas sendo digno de nota que as exigências para estrangeiros estão
baseadas em normas que permitem maior discricionariedade às Comissões.
Com base na legislação existente, o CIETAC preparou uma Lista de Árbitros para Casos Nacionais
(Guonei Zhengyi Zhongcaiyuan Mingce) e outra para árbitros internacionais (Guoji/Shewai Zhengyi
Zhongcaiyuan Mingce). A primeira inclui apenas árbitros chineses, embora na lista internacional
sejam encontrados tanto árbitros chineses quanto estrangeiros.
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Uma análise dessas duas listas (rosters) revela que os mesmos nomes dos árbitros chineses,
incluídos na lista internacional, aparecem também na lista nacional. Em 2005, por exemplo, a lista
de árbitros nacionais incluía 700 indivíduos, enquanto a lista de árbitros estrangeiros continha nomes
de 500 pessoas chinesas, todas integrantes da lista nacional. Dos 200 remanescentes, 40 eram
originários de Hong Kong, Macau e Taiwan e os restantes 160 provinham de outros países e regiões.
Além disso, alguns países estão sub-representados em relação ao número de casos potencialmente
arbitráveis, levando-se em conta as nacionalidades das partes. Para finalizar, as Instruções da CIETAC
para Inscrições nos Grupos de Árbitros55 dispõem que os grupos de pessoas designadas para fazer
as indicações somente podem atuar em determinadas espécies de casos.
Pelo exposto, nota-se que o sistema chinês de escolha de árbitros revela uma dupla camada de
controle sobre a constituição dos tribunais: a primeira, legislativa, por meio da lei de arbitragem; e
a segunda, um controle institucional por meio das regras das comissões de arbitragem, que impõem
às partes a escolha de árbitros constantes de listas fechadas. A situação é ainda mais restritiva se
se levar em consideração que as inclusões nas listas são realizadas por funcionários do Partido e do
governo. E, para deteriorar ainda mais a credibilidade do sistema, a maioria dos funcionários das
câmaras, bem como os árbitros – em particular nas províncias –, têm a mesma origem territorial
e social, ou seja, têm conexões pessoais (guanxi) com a comunidade, o que os faz suscetíveis a
pressões externas de várias origens, pondo em risco os interesses das partes.
O sistema político chinês, como que aturdido por uma pujante economia, ora em rápida transição,
parece ainda fechado demais para aceitar conceitos como competência-competência e arbitragem
ad hoc. O resultado dessa hesitação em fazer as reformas necessárias para integrar efetivamente o
país no mainstream jurídico da arbitragem internacional tem como natural resultado a desconfiança
dos investidores estrangeiros.
Não é que não existam tentativas de reformar o sistema de solução de controvérsias. Esforços
de adaptação vêm sendo empreendidos pelo CIETAC, cujas responsabilidades, como a mais
importante instituição voltada à arbitragem na China, a levam a buscar a modernização das normas,
segundo padrões e práticas internacionais56. Além disso, em aspectos pontuais, a legislação e a
sua interpretação vêm melhorando a qualidade da arbitragem na China, bem como o tratamento
dado pelos tribunais estatais às sentenças arbitrais, conferindo-lhes validade e eficácia. Assim, em
dezembro de 2003, a Suprema Corte Popular promulgou uma “draft judicial interpretation” – que
poderíamos traduzir por “súmula” –, que afirma que o tratamento diferencial dos padrões de revisão
judicial entre sentenças nacionais e internacionais deve ser mantido, com base no Artigo V.1 da
Convenção de Nova Iorque de 195857.
Essas medidas não chegam a ser propriamente encorajadoras, já que o tratamento legislativo
e judicial da China a respeito da arbitragem continua a obedecer ao dirigismo estatal característico
do país, o que recomenda prudência por parte dos investidores estrangeiros.

- CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. À medida que o comércio entre empresas de países diferentes se intensifica, aumenta
proporcionalmente o número de contratos celebrados pelas empresas. Em consequência, aumenta
também o número de litígios potenciais entre elas, oriundos desses contratos.
2. A arbitragem vem sendo consagrada como método preferencial para resolver litígios que têm
origem em contratos internacionais.
3. Registrando-se expressivo aumento nos volumes transacionados pelo Brasil com o Japão
– processo iniciado há mais tempo – e com a China – este, mais recente –, parece evidente que
deverão aumentar os litígios comerciais entre nosso país e esses seus parceiros asiáticos.
4. Por variadas razões, a doutrina brasileira não vem dedicando atenção à arbitragem no Japão
e na China, o que nos parece injustificável, precisamente pela importância que estes dois países, de
economias tão pujantes, têm representado para nosso comércio internacional. Procuramos, assim,
com este trabalho, suprir essa inexplicável lacuna, uma vez que advogados e juristas brasileiros
dedicados ao comércio internacional precisam entender melhor o instituto da arbitragem, tal como
realizada tanto no Japão quanto na China.





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