Jornal Valor Econômico do dia 04 de Novembro de 2016 |
O Governo Federal está tentando vender segurança jurídica com a edição de novas normas acerca das concessões. Certamente, vem motivado por insucessos em licitações de alguns importantes projetos de infraestrutura. Como parte do pacote, anunciou a possibilidade do uso de arbitragem em seus futuros contratos.
Arbitragem em contratos firmados pela administração
pública não deveria mais ser objeto de notícia de jornal. Seria quase tão
antigo como noticiar que a lei de arbitragem é constitucional. Há muito tempo que
grandes arbitralistas brasileiros já demonstraram sobre tal possibilidade, como
as clássicas obras de Selma Lemes e Carmona. Mais antigo ainda é distinguir os
diferentes atos do poder público, quando eles são atos de soberania e quando
não o são. Esta é exatamente a chave para concluir que juridicamente arbitragem
é, sim, possível em contratos da administração pública no direito brasileiro
quando os atos não são de “império”.
Site ISTOÉ - 08/11/2016 |
Destarte, é surpreendente ainda ter de noticiar como
se fosse grande novidade uma Medida Provisória que seria a consagração da arbitragem
no direito público pátrio. Carmona já citara em seu “Arbitragem e Processo” o antigo
caso “Lage”, onde o assunto já deveria ter se encerrado.
A arbitragem nos
contratos públicos, porém, foi alvo novamente em casos mais recentes.
Sobreviveu a diversos ataques. Primeiro, o STJ afirmou a arbitragem em
contratos firmados por empresa pública (AgRg in MS Nº 11.308). Em 2008,
novamente, este mesmo Tribunal confirmou cláusula arbitral de Companhia
Estadual fornecedora de energia elétrica no Rio Grande do Sul (REsp 606345 / RS).
Por
Sentença - Processo n. 14512-22.2011.4.01.3400 - JFDF |
A regra não vem só da jurisprudência, até porque não
somos ainda um sistema de common law,
mas também da norma legislada. A Lei 8.987 de 1995, no artigo 23 inclui, entre
as cláusulas essenciais, no inciso XV, “ao foro e ao modo amigável de solução
das divergências contratuais.”. Esse texto ainda não era explícito, mas algum
tempo após a declaração de constitucionalidade da Lei de arbitragem, finalmente
veio o novo texto legal de concessões públicas, no artigo 23-A incluído pela
Lei nº 11.196, de 2005, prevendo expressamente o uso de cláusula compromissória
em contratos de concessão. Essa inclusão, na verdade, foi precedida da previsão
expressa da Lei das PPPs, em 2004, quando o artigo 11, Inciso III previu nesse
tipo de contratação “o emprego dos mecanismos privados de resolução de
disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua
portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir
conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.”. A lei dos portos também
prevê o mecanismo de resolução de conflitos no artigo 62. Não é novidade,
portanto, a inclusão de cláusula compromissória em contratos de concessão, em
especial os mais complexos (para citar um exemplo, o contrato de concessão de
Jirau).
O problema é que o Poder Público Federal Brasileiro
sempre buscou uma forma de não se comprometer de corpo e alma a arbitrar seus
litígios. Sempre que pode, exclui da cláusula arbitral a discussão de
equilíbrio econômico financeiro. Ora, a grande maioria do que se discute nessas
contratações é equilíbrio econômico financeiro. Desde a aula 1 sobre contratos
administrativos, se aprende, nos bancos das faculdades de direito pelo Brasil,
que o contrato administrativo tem as chamadas cláusulas exorbitantes. Vale
dizer, o poder público tem amplos poderes de modificar unilateralmente seus
contratos, e o contratado será obrigado a cumpri-lo, diferenciando-se, logo, do
contrato privado. Ainda, desde esse mesmo momento, ensina-se: ao contratante
privado, se lhe assegura um único grande direito, o equilíbrio econômico
financeiro do contrato. Foi justamente o
Conjur - 12 de Março de 2014 |
Note que a regulamentação da arbitragem no âmbito
portuário buscou excluir da arbitragem exatamente esta questão (DECRETO Nº
8.465, DE 8 DE JUNHO DE 2015, artigo 6º, §2º, II). O próprio contrato deconcessão de Jirau continha cláusula compromissória limitada somente ao tema de
divergências sobre a avaliação dos bens reversíveis, que são os bens que devem
retornar ao poder público ao final da concessão, mediante indenização justa dos
valores não amortizados e residuais. De outro lado, outras causas sobre
direitos disponíveis “poderiam” ser resolvidos em arbitragem.
Ainda, merece ser esclarecido se a questão de
rescisão contratual iniciada pelo contratante privado, que depende de ação
judicial, poderia ser objeto de arbitragem. Vale lembrar e sublinhar que este é
o único caminho que o contratado privado tem para rescindir o contrato por
inadimplemento do poder público. Pela lei geral de licitações (8.666/93), os
artigos 78 e 79 combinados, mostram que somente a União tem poder de rescindir
o contrato pelo descumprimento, de forma unilateral. Pela lei das concessões,
serviços públicos não podem ser sequer paralisados por livre iniciativa do
contratado privado, somente após o trânsito em julgado da ação de rescisão (Lei
8.987/95, art. 39, parágrafo único). Aliás, este artigo de lei é de
constitucionalidade duvidosa, pois parece contrário a princípios da livre
iniciativa e de proteção à propriedade privada impor a um contratado prejudicado
por descumprimento sofrer com a catástrofe de ter um grande contratante
inadimplente e não poder paralisar seus prejuízos pela exceção ao contrato não
cumprido.
Embora seja louvável a edição de nova legislação
favorecendo mais uma vez a arbitragem, ela vem somente para lançar nova
esperança de que a União passará a discutir os assuntos que verdadeiramente
dominam as divergências entre investidores privados e poder público. Além
disso, deve-se esclarecer se a ação de rescisão poderá ser objeto de arbitragem
ou não, lembrando que o citado contrato de concessão de Jirau excluiu esta
possibilidade de forma expressa, mas outros contratos não são tão claros. Além
disso, a dúvida surgirá quando as partes tiverem de enfrentar a questão e dar
interpretação ao texto do artigo 39, parágrafo único, que fala em “ação
judicial”. Por fim, espera-se que esta MP sirva de exemplo para os Estados e
Municípios para que também utilizem este importante instituto de solução de
controvérsias, a fim de estimular o investimento em áreas essenciais ao
desenvolvimento de suas regiões.
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