Wednesday, November 9, 2016

A nova possibilidade (?) de arbitragem com o Poder Público – Comentário acerca da MP das concessões

Jornal Valor Econômico
do dia 04 de Novembro de 2016
O Governo Federal está tentando vender segurança jurídica com a edição de novas normas acerca das concessões. Certamente, vem motivado por insucessos em licitações de alguns importantes projetos de infraestrutura. Como parte do pacote, anunciou a possibilidade do uso de arbitragem em seus futuros contratos. 

Arbitragem em contratos firmados pela administração pública não deveria mais ser objeto de notícia de jornal. Seria quase tão antigo como noticiar que a lei de arbitragem é constitucional. Há muito tempo que grandes arbitralistas brasileiros já demonstraram sobre tal possibilidade, como as clássicas obras de Selma Lemes e Carmona. Mais antigo ainda é distinguir os diferentes atos do poder público, quando eles são atos de soberania e quando não o são. Esta é exatamente a chave para concluir que juridicamente arbitragem é, sim, possível em contratos da administração pública no direito brasileiro quando os atos não são de “império”.

Site ISTOÉ - 08/11/2016
Destarte, é surpreendente ainda ter de noticiar como se fosse grande novidade uma Medida Provisória que seria a consagração da arbitragem no direito público pátrio. Carmona já citara em seu “Arbitragem e Processo” o antigo caso “Lage”, onde o assunto já deveria ter se encerrado. 

A arbitragem nos contratos públicos, porém, foi alvo novamente em casos mais recentes. Sobreviveu a diversos ataques. Primeiro, o STJ afirmou a arbitragem em contratos firmados por empresa pública (AgRg in MS Nº 11.308). Em 2008, novamente, este mesmo Tribunal confirmou cláusula arbitral de Companhia Estadual fornecedora de energia elétrica no Rio Grande do Sul (REsp 606345 / RS). Por
Sentença - Processo n. 14512-22.2011.4.01.3400 - JFDF
fim, a tentativa frustrada de licitar o trem-bala entre Rio e São Paulo serviu ao menos para gerar mais um precedente a favor da arbitragem, agora, sim, em contrato de concessão, conforme decisão da Justiça Federal do Distrito Federal. A partir de então, outros precedentes seguiram esta linha de entendimento.

A regra não vem só da jurisprudência, até porque não somos ainda um sistema de common law, mas também da norma legislada. A Lei 8.987 de 1995, no artigo 23 inclui, entre as cláusulas essenciais, no inciso XV, “ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.”. Esse texto ainda não era explícito, mas algum tempo após a declaração de constitucionalidade da Lei de arbitragem, finalmente veio o novo texto legal de concessões públicas, no artigo 23-A incluído pela Lei nº 11.196, de 2005, prevendo expressamente o uso de cláusula compromissória em contratos de concessão. Essa inclusão, na verdade, foi precedida da previsão expressa da Lei das PPPs, em 2004, quando o artigo 11, Inciso III previu nesse tipo de contratação “o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.”. A lei dos portos também prevê o mecanismo de resolução de conflitos no artigo 62. Não é novidade, portanto, a inclusão de cláusula compromissória em contratos de concessão, em especial os mais complexos (para citar um exemplo, o contrato de concessão de Jirau).

O problema é que o Poder Público Federal Brasileiro sempre buscou uma forma de não se comprometer de corpo e alma a arbitrar seus litígios. Sempre que pode, exclui da cláusula arbitral a discussão de equilíbrio econômico financeiro. Ora, a grande maioria do que se discute nessas contratações é equilíbrio econômico financeiro. Desde a aula 1 sobre contratos administrativos, se aprende, nos bancos das faculdades de direito pelo Brasil, que o contrato administrativo tem as chamadas cláusulas exorbitantes. Vale dizer, o poder público tem amplos poderes de modificar unilateralmente seus contratos, e o contratado será obrigado a cumpri-lo, diferenciando-se, logo, do contrato privado. Ainda, desde esse mesmo momento, ensina-se: ao contratante privado, se lhe assegura um único grande direito, o equilíbrio econômico financeiro do contrato. Foi justamente o
Conjur - 12 de Março de 2014
descumprimento de desequilíbrio econômico financeiro que quebrou algumas das tradicionais companhias de transporte aéreo (o exemplo mais dramático é o da VARIG, que espera por mais de 20 anos para ver este direito reconhecido e cumprido). É o desequilíbrio econômico financeiro que hoje assombra diversas empresas prestadoras de serviços de transporte coletivo urbano. Foi o desequilíbrio econômico financeiro que gerou grandes impasses no setor de concessões de energia elétrica, que buscou ser corrigido por meio de prorrogações contratuais. Mais recentemente, temos as notícias de desequilíbrio econômico financeiro, na concessão de exploração do estádio Maracanã no Rio de Janeiro.

Note que a regulamentação da arbitragem no âmbito portuário buscou excluir da arbitragem exatamente esta questão (DECRETO Nº 8.465, DE 8 DE JUNHO DE 2015, artigo 6º, §2º, II). O próprio contrato deconcessão de Jirau continha cláusula compromissória limitada somente ao tema de divergências sobre a avaliação dos bens reversíveis, que são os bens que devem retornar ao poder público ao final da concessão, mediante indenização justa dos valores não amortizados e residuais. De outro lado, outras causas sobre direitos disponíveis “poderiam” ser resolvidos em arbitragem.

Ainda, merece ser esclarecido se a questão de rescisão contratual iniciada pelo contratante privado, que depende de ação judicial, poderia ser objeto de arbitragem. Vale lembrar e sublinhar que este é o único caminho que o contratado privado tem para rescindir o contrato por inadimplemento do poder público. Pela lei geral de licitações (8.666/93), os artigos 78 e 79 combinados, mostram que somente a União tem poder de rescindir o contrato pelo descumprimento, de forma unilateral. Pela lei das concessões, serviços públicos não podem ser sequer paralisados por livre iniciativa do contratado privado, somente após o trânsito em julgado da ação de rescisão (Lei 8.987/95, art. 39, parágrafo único). Aliás, este artigo de lei é de constitucionalidade duvidosa, pois parece contrário a princípios da livre iniciativa e de proteção à propriedade privada impor a um contratado prejudicado por descumprimento sofrer com a catástrofe de ter um grande contratante inadimplente e não poder paralisar seus prejuízos pela exceção ao contrato não cumprido.


Embora seja louvável a edição de nova legislação favorecendo mais uma vez a arbitragem, ela vem somente para lançar nova esperança de que a União passará a discutir os assuntos que verdadeiramente dominam as divergências entre investidores privados e poder público. Além disso, deve-se esclarecer se a ação de rescisão poderá ser objeto de arbitragem ou não, lembrando que o citado contrato de concessão de Jirau excluiu esta possibilidade de forma expressa, mas outros contratos não são tão claros. Além disso, a dúvida surgirá quando as partes tiverem de enfrentar a questão e dar interpretação ao texto do artigo 39, parágrafo único, que fala em “ação judicial”. Por fim, espera-se que esta MP sirva de exemplo para os Estados e Municípios para que também utilizem este importante instituto de solução de controvérsias, a fim de estimular o investimento em áreas essenciais ao desenvolvimento de suas regiões. 

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