Ao falar com advogados de outras partes do planeta, vemos
que o excesso de ações judiciais é reclamação comum de vários países. De outro
lado, o judiciário brasileiro vive (provavelmente) o caso extremo de excesso de
demandas processuais. Esta preocupante constatação está presente em diferentes
estudos. Em particular, um estudo realizado pela PUCRS no ano de 2008[i],
apresentou algumas das propostas de mudança legislativa que também inspiram
esta breve reflexão.
O estudo da PUCRS era multidisciplinar e buscou entender as
motivações dos litigantes em processos judiciais. Uma das conclusões, embora
perceptível desde antes, confirma a tese de que a maioria dos usuários dos
serviços jurisdicionais não está a busca de um legítimo direito ou de justiça. Como
mudar esse comportamento? A resposta são incentivos de caráter econômico
financeiro.
O estudo da PUCRS apontava para o incremento das custas
judicias, que é o ponto de partida, mas faz-se necessário todo um conjunto de
medidas que juntas asseguram acesso à justiça e evitam o uso abusivo da máquina
judicial pública.
Onde entra a comparação com a arbitragem e com o direito
americano?
O ponto em comum é o custo da litigância. Em ambos os casos,
litigar é custoso para as partes. Nenhuma parte quer entrar numa arbitragem
sabendo que vai despejar uma montanha de dinheiro pagando custas da instituição
arbitral, custos de produção das provas, honorários dos árbitros e honorários
advocatícios. Destarte, a parte somente irá para a arbitragem se realmente
tiver confiança de que tem um direito ou, quando não tem, por se tratar de caso
realmente controvertido que necessita do auxílio de um terceiro imparcial para
estabelecer a solução da disputa.
Outra prática que os brasileiros têm aprendido em
decorrência da arbitragem internacional é o discovery.
Este é um procedimento exportado pelos americanos para as arbitragens
internacionais, muitas vezes criticável em razão das chamadas fishing expeditions, mas que de outro
lado cria incentivos para as partes de somente prosseguir com demandas
verdadeiramente controvertidas. O discovery
é uma fase processual onde cada parte deve revelar a outra toda a documentação
exigida pela contraparte a fim de preparar para a fase de julgamento (no
processo judicial americano é o chamado trial).
Essa prática, porém, tem sido criticada no âmbito da arbitragem internacional
pelo excessivo custo, excessivo volume de documentos e pelo mau uso da prática
para obter documentos não relacionados à demanda com mero intuito de prejudicar
a outra parte. A solução tem sido o meio termo, no sentido de que a parte para
ter direito de requerer a apresentação do documento deve fornecer elementos de
identificação do documento, razões de porque acredita na existência do
documento e na utilidade para solução da demanda. De toda a forma, o custo do
litígio aumenta, mas o fluxo de informação entre as partes e os advogados das
partes também aumenta. Graças ao disclosure,
advogados americanos têm forte tendência de recomendar acordos aos seus
clientes, pois se permite de antemão analisar qual será o resultado da demanda,
não valendo a pena seguir para o trial (que
também adiciona volumosos custos ao litígio). O mesmo tem ocorrido na arbitragem
internacional, e as partes acabam também chegando ao acordo.
Pois bem, falamos muito em aumentar o custo da litigância,
mas e o acesso à justiça? A arbitragem não é o melhor exemplo de acesso à
justiça, pois cuida de demandas gigantes, para partes que realmente podem
suportar o elevado custo dos procedimentos arbitrais, o que é incompatível com
a realidade das pessoas comuns.
O direito americano soluciona essa questão com outras
ferramentas. Uma combinação de incentivos para as partes e para os advogados,
através das chamadas contigency fees.
Contingency fees nada mais são do que
os contratos de risco, onde os advogados recebem se vencerem a demanda. O
sistema, porém, não funciona na base da gratuidade de justiça, pois isso seria
muito fácil e continuaria a estimular o uso descompromissado do processo
judicial. Os advogados costumam arcar com os custos da demanda, o que os
incentiva a aceitar somente demandas com reais possibilidades de sucesso. De
outro lado, temos um processo civil coletivo efetivo, com as chamadas class actions que deveriam ser mais
estudadas por nós brasileiros. Por meio desse mecanismo processual, garante-se
acesso à justiça de milhões de pessoas em demandas repetitivas, que são
solucionadas por um único julgamento. A lógica é novamente o incentivo
econômico, pois milhares de pequenas demandas se convertem em uma grande
demanda. Desta forma, grandes empresas acabam sendo estimuladas a partir para
acordos milionários também para evitar os custos do trial o que não ocorreria em caso das demandas isoladas.
No âmbito do direito material, o direito americano também
nos apresenta uma solução interessante que o sistema brasileiro não aceita, em
razão de limites principiológicos do nosso direito privado. Enquanto no Brasil
o litigante não pode enriquecer por razão de uma demanda judicial (vedação ao
enriquecimento sem causa), somado à resistência da ideia de “punição cível”,
nos Estados Unidos o punitive damages
é um remédio legal que enriquece algumas vítimas de ilícitos civis. O
legislador americano, porém, raramente é motivado a criar este tipo mecanismo
para enriquecer os litigantes. O verdadeiro motivo é o chamado deterrence effect. Novamente,
adiciona-se custos para a parte praticante do ato ilícito civil, com o intuito
de desestimular a litigância excessiva e estimular que as partes sejam mais
zelosas nas suas relações em sociedade. Os punitive
damages são uma punição civil contra a pratica dolosa do ilícito civil (tort). Mais uma vez, cria-se um
incentivo financeiro para fazer o controle de demandas. Sob este aspecto, o punitive damages pode ser efetivo contra
grandes conglomerados empresariais que muitas vezes aproveitam da demora do
judiciário ou do seu baixo custo para retardar a solução de milhares de
controvérsias.
Enfim, brevemente apresentou-se alguns conceitos que
necessitam ser estudados em detalhes antes de simplesmente serem importados para
o nosso direito. De outro lado, fica uma grande lição que é a necessidade de criar incentivos corretos para o controle do excesso de demandas. Isso se atinge
impondo custos para os litigantes (principalmente para os litigantes que não
tem razão na demanda). Prova está que empresários relutam até o último momento
antes de valer-se da clausula arbitral, resultando em grande número de acordos.
O mesmo é percebido pelos doutrinadores americanos no âmbito do seu poder judiciário.
Diz-se que mais de 90% dos casos não chegam ao trial, pois as partes chegam ao acordo nas fases anteriores (muitas
vezes após o discovery,). Acreditamos
que estas lições, somadas ao cultivo da cultura dos métodos alternativos de solução
de conflitos podem trazer a verdadeira solução para a crise judiciária que
assola o sistema brasileiro.
[i] Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Diagnóstico sobre as causas do progressivo
aumento das demandas judiciais cíveis no Brasil, em especial das demandas
repetitivas, bem como da morosidade da justiça civil. Disponível em: http://issuu.com/cnj_oficial/docs/rel__torio_sobre_as_demandas_judici.
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