Saturday, December 19, 2015

Breves reflexões sobre a crise do judiciário: Lições da arbitragem e do sistema processual americano.

Ao falar com advogados de outras partes do planeta, vemos que o excesso de ações judiciais é reclamação comum de vários países. De outro lado, o judiciário brasileiro vive (provavelmente) o caso extremo de excesso de demandas processuais. Esta preocupante constatação está presente em diferentes estudos. Em particular, um estudo realizado pela PUCRS no ano de 2008[i], apresentou algumas das propostas de mudança legislativa que também inspiram esta breve reflexão.

O estudo da PUCRS era multidisciplinar e buscou entender as motivações dos litigantes em processos judiciais. Uma das conclusões, embora perceptível desde antes, confirma a tese de que a maioria dos usuários dos serviços jurisdicionais não está a busca de um legítimo direito ou de justiça. Como mudar esse comportamento? A resposta são incentivos de caráter econômico financeiro.

O estudo da PUCRS apontava para o incremento das custas judicias, que é o ponto de partida, mas faz-se necessário todo um conjunto de medidas que juntas asseguram acesso à justiça e evitam o uso abusivo da máquina judicial pública.

Onde entra a comparação com a arbitragem e com o direito americano?

O ponto em comum é o custo da litigância. Em ambos os casos, litigar é custoso para as partes. Nenhuma parte quer entrar numa arbitragem sabendo que vai despejar uma montanha de dinheiro pagando custas da instituição arbitral, custos de produção das provas, honorários dos árbitros e honorários advocatícios. Destarte, a parte somente irá para a arbitragem se realmente tiver confiança de que tem um direito ou, quando não tem, por se tratar de caso realmente controvertido que necessita do auxílio de um terceiro imparcial para estabelecer a solução da disputa.

Outra prática que os brasileiros têm aprendido em decorrência da arbitragem internacional é o discovery. Este é um procedimento exportado pelos americanos para as arbitragens internacionais, muitas vezes criticável em razão das chamadas fishing expeditions, mas que de outro lado cria incentivos para as partes de somente prosseguir com demandas verdadeiramente controvertidas. O discovery é uma fase processual onde cada parte deve revelar a outra toda a documentação exigida pela contraparte a fim de preparar para a fase de julgamento (no processo judicial americano é o chamado trial). Essa prática, porém, tem sido criticada no âmbito da arbitragem internacional pelo excessivo custo, excessivo volume de documentos e pelo mau uso da prática para obter documentos não relacionados à demanda com mero intuito de prejudicar a outra parte. A solução tem sido o meio termo, no sentido de que a parte para ter direito de requerer a apresentação do documento deve fornecer elementos de identificação do documento, razões de porque acredita na existência do documento e na utilidade para solução da demanda. De toda a forma, o custo do litígio aumenta, mas o fluxo de informação entre as partes e os advogados das partes também aumenta. Graças ao disclosure, advogados americanos têm forte tendência de recomendar acordos aos seus clientes, pois se permite de antemão analisar qual será o resultado da demanda, não valendo a pena seguir para o trial (que também adiciona volumosos custos ao litígio). O mesmo tem ocorrido na arbitragem internacional, e as partes acabam também chegando ao acordo.

Pois bem, falamos muito em aumentar o custo da litigância, mas e o acesso à justiça? A arbitragem não é o melhor exemplo de acesso à justiça, pois cuida de demandas gigantes, para partes que realmente podem suportar o elevado custo dos procedimentos arbitrais, o que é incompatível com a realidade das pessoas comuns.

O direito americano soluciona essa questão com outras ferramentas. Uma combinação de incentivos para as partes e para os advogados, através das chamadas contigency fees. Contingency fees nada mais são do que os contratos de risco, onde os advogados recebem se vencerem a demanda. O sistema, porém, não funciona na base da gratuidade de justiça, pois isso seria muito fácil e continuaria a estimular o uso descompromissado do processo judicial. Os advogados costumam arcar com os custos da demanda, o que os incentiva a aceitar somente demandas com reais possibilidades de sucesso. De outro lado, temos um processo civil coletivo efetivo, com as chamadas class actions que deveriam ser mais estudadas por nós brasileiros. Por meio desse mecanismo processual, garante-se acesso à justiça de milhões de pessoas em demandas repetitivas, que são solucionadas por um único julgamento. A lógica é novamente o incentivo econômico, pois milhares de pequenas demandas se convertem em uma grande demanda. Desta forma, grandes empresas acabam sendo estimuladas a partir para acordos milionários também para evitar os custos do trial o que não ocorreria em caso das demandas isoladas.

No âmbito do direito material, o direito americano também nos apresenta uma solução interessante que o sistema brasileiro não aceita, em razão de limites principiológicos do nosso direito privado. Enquanto no Brasil o litigante não pode enriquecer por razão de uma demanda judicial (vedação ao enriquecimento sem causa), somado à resistência da ideia de “punição cível”, nos Estados Unidos o punitive damages é um remédio legal que enriquece algumas vítimas de ilícitos civis. O legislador americano, porém, raramente é motivado a criar este tipo mecanismo para enriquecer os litigantes. O verdadeiro motivo é o chamado deterrence effect. Novamente, adiciona-se custos para a parte praticante do ato ilícito civil, com o intuito de desestimular a litigância excessiva e estimular que as partes sejam mais zelosas nas suas relações em sociedade. Os punitive damages são uma punição civil contra a pratica dolosa do ilícito civil (tort). Mais uma vez, cria-se um incentivo financeiro para fazer o controle de demandas. Sob este aspecto, o punitive damages pode ser efetivo contra grandes conglomerados empresariais que muitas vezes aproveitam da demora do judiciário ou do seu baixo custo para retardar a solução de milhares de controvérsias.

Enfim, brevemente apresentou-se alguns conceitos que necessitam ser estudados em detalhes antes de simplesmente serem importados para o nosso direito. De outro lado, fica uma grande lição que é a necessidade de criar incentivos corretos para o controle do excesso de demandas. Isso se atinge impondo custos para os litigantes (principalmente para os litigantes que não tem razão na demanda). Prova está que empresários relutam até o último momento antes de valer-se da clausula arbitral, resultando em grande número de acordos. O mesmo é percebido pelos doutrinadores americanos no âmbito do seu poder judiciário. Diz-se que mais de 90% dos casos não chegam ao trial, pois as partes chegam ao acordo nas fases anteriores (muitas vezes após o discovery,). Acreditamos que estas lições, somadas ao cultivo da cultura dos métodos alternativos de solução de conflitos podem trazer a verdadeira solução para a crise judiciária que assola o sistema brasileiro.



[i] Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Diagnóstico sobre as causas do progressivo aumento das demandas judiciais cíveis no Brasil, em especial das demandas repetitivas, bem como da morosidade da justiça civil. Disponível em: http://issuu.com/cnj_oficial/docs/rel__torio_sobre_as_demandas_judici

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