A Liberdade de Escolher os
Árbitros – Resumo do Caso Jivraj x Haswani da Suprema Corte do Reino Unido
Por Nikolai Sosa Rebelo.
Introdução: O caso Jivraj, da
Suprema Corte do Reino Unido, foi explicado na palestra realizada na Faculdade
de Direito PUC/RS, no dia 30 de março de 2015, pelo Dr. Eduardo Silva da Silva,
com a temática “A escolha de Câmaras e Árbitros no Procedimento Arbitral”.
A QUESTÃO
Jivraj e Hashwani são dois
empresários Mulçumanos que firmaram uma joint
venture durante a década de 80 para explorar atividades econômicas em
diferentes partes do mundo. O objetivo das partes era o investimento imobiliário
em vários países. O contrato continha cláusula compromissória, sendo que, em
caso de conflito, o caso seria submetido a um Tribunal Arbitral composto por 3
árbitros, indicando cada parte um deles e estes escolheriam o terceiro
presidente do painel. Além do mais, segundo o contrato firmado, os árbitros
deveriam ser Mulçumanos da seita Ismaili, exatamente a mesma religião de ambos
os contratantes.
Após muitos anos, as partes
decidiram encerrar a parceria, tendo surgido uma disputa em relação aos valores
da liquidação da relação contratual. O caso trazido à Suprema Corte, porém, não
tratava do mérito deste contrato. A judicialização do conflito decorreu em
razão da tentativa do Sr. Hashwani de indicar um árbitro que não fosse membro
do clã Ismaili, sustentando a tese de nulidade da cláusula compromissória, com
base nas vigentes leis Europeias e Inglesas de vedação a discriminação de
qualquer tipo.
O debate travado nos tribunais
do Reino Unido girava em torno das regras de não discriminação nas relações de
trabalho. Assim, a Suprema Corte analisou a natureza da relação das partes com
o árbitro para poder chegar a sua conclusão. O caso ganhou interessante complexidade,
com base no princípio geral da liberdade de contratar.
DO DIREITO
Regulações da Diretiva 2000/78/EC
de 27 de novembro de 2000 (OJ 2000 L303, p 16). - Artigos 1, 2, 3, 4
Regulações (emendadas pela
seção 77(2) da Lei de Igualdade de 2006) - Seções:2, 3, 6, 7
Anexo 9 da Lei de Igualdade.
Lei Inglesa de Arbitragem 1996.
Artigos 33, 34, 40, 23, 24, 1.
Códigos Internacionais, incluindo
a Lei modelo de Arbitragem Internacional da UNCITRAL de 1985 (United Nations
Commission on International Trade Law), Regulamentos da CCI e da LCIA.
Jurisprudência
Allonby v Accrington and Rossendale College (Case
C-256/01) [2004] ICR 1328, Lawrie-Blum v Land Baden-Wurttemberg (Case C-66/85)
[1987] ICR 483 and in Kurz v Land Baden-Wurttemberg (Case C-188/00) [2002] ECR
I-10691.
Percy v Board of National Mission of the Church of
Scotland [2006] 2 AC 28
Perceval-Price v Department of Economic Development
[2000] IRLR 380
O’Brien v Ministry of Justice (Note) [2010] UKSC 34,
[2010] 4 All ER 62
Quinnen v Hovells [1984] ICR 525, Mirror Group
Newspapers Ltd v Gunning [1986] 1 WLR 546, especially per Oliver LJ at 551H and
Balcombe LJ at 556H; Kelly v Northern Ireland Housing Executive [1999] 1 AC 428
and Percy [2006] 2 AC 28 per Lord Hope at para 113, where he referred to two
other cases in the Court of Appeal, namely Patterson v Legal Services
Commission [2004] ICR 312 and Mingeley v Pennock (trading as Amber Cars) [2004]
ICR 727
Tanna v Post Office [1981] ICR 374 and Hugh-Jones v St
John’s College, Cambridge [1979] ICR 848
ICC precedent
K/S Norjarl A/S v Hyundai Heavy Industries Co Ltd [1992] QB 863, 885.
Centrum voor Gelijkheid van Kansen en voor
Racismebestrijding v Firma Feryn NV (Case C- 54/07) [2008] ICR 1390
Stadt Halle v Arbeitgemeinschaft Thermische
Restabfall-und Energieverwertungsanlage TREA Leuna (Case C-26/03) [2005] ECR
I-1 and Marleasing [1990] ECR I-4135.
ANÁLISE
A primeira instância decidiu
que as leis anti-discriminatórias mencionadas pelo autor da ação não eram
aplicáveis ao caso da arbitragem. As partes podem livremente decidir todos os
requisitos exigidos para que a pessoa seja aceitável como árbitro para o seu
caso. A Corte de Apelação reformou a sentença, adotando como argumento que
existe uma relação de trabalho (prestação de serviço) em sentido amplo entre as
partes e os árbitros. Neste sentido, a cláusula compromissória firmada por
Jirvraj e Hashwani é ilegal, ao criar exigências em razão de crença religiosa
(especificamente, Mulçumanos da seita Ismaili).
A Suprema Corte avaliou o caso
baseado nas duas teorias trazidas nas instâncias inferiores. Destarte, havia a
necessidade de definir a natureza jurídica da relação que se estabelece entre
as partes e o árbitro no procedimento de arbitragem. Se o contrato entre as
partes era considerado “contrato de trabalho/serviço” (lato senso), então as
partes deveriam respeitar as Leis de Não Discriminação [Diretiva 2000/78/EC de
27 Novembro 2000 (OJ 2000 L303, p 16); Lei da Iguadade].
A Diretiva Europeia em questão
estabelece (artigo 1) “parâmetros gerais para combater a discriminação em razão
de religião, crenças, deficiências, idade, orientação sexual no acesso ao
mercado de trabalho e ocupacional, objetivando a concretização do princípio do
tratamento igualitário nos Estados Membros”. Nas Regulações à Diretiva
(conforme emenda do Artigo 77(2) da Lei de Igualdade de 2006), a interpretação
de tal normativa deve considerar:
(3)
Nestas Regulamentações…referências a ‘Empregadores’, quando uma pessoa busca
contratar outra para serviço, inclusive quando não tem o empregador, ainda,
nenhum empregado; ‘trabalho’ significa empregar em contrato de serviço ou aprendizado
ou contratar pessoalmente outra pessoa para realizar qualquer trabalho, bem
como expressões relacionadas...;
A Corte de Apelação fundamentou
seu entendimento sobre a natureza do ato de nomeação dos árbitros no precedente
von Hoffmann v Finanzamt Trier (Case C-145/96) [1997] All ER (EC) 852. Os
Julgadores definiram relação de trabalho como a situação em que uma pessoa é
contratada por outra para pessoalmente realizar trabalho de qualquer tipo. Este
conceito engloba a relação de emprego, contratação de serviço por profissional
autônomo, tal como o serviços de advogados, conselheiros e árbitros. Concluem,
portanto, que as partes são “empregadores” dos árbitros para fins de aplicabilidade
da Lei de Igualdade e das Diretivas Europeias anti-discriminação nas relações
de trabalho. Com base nesta premissa, a Corte de Apelação analisou se a
cláusula arbitral firmada pelas partes seria válida com base nas exceções das
Leis de Não Discriminação, por questão de exigência genuína baseada em “etos de
religião”. [Regulamentação – 7(1) e (3)]. Ao final, disseram os Julgadores que
não era este o caso, portanto, nula seria tal cláusula. Não se tratava de um
requisito essencial para escolha do árbitro, logo, seria uma discriminação
injustificada, na visão da instância intermediária.
Por outro lado, a Suprema
Corte adotou praticamente todo o posicionamento defendido pelo Juiz de primeiro
grau. Os Lords Phillips (Presidente), Walker, Mance, Clarke e Dyson concordaram
acerca da existência de significativa diferença entre uma relação de
trabalho/emprego e a relação entre as partes e um árbitro por elas nomeado.
Diferentemente da relação de trabalho comum, não existe qualquer submissão do
árbitro em relação as partes (requisito da submissão do precedente Allonby). Neste aspecto, de acordo com
os regulamentos internacionais de arbitragem (como os da CCI e UNCITRAL) o
árbitro deve agir com independência e imparcialidade, decidindo de acordo com
as suas convicções sobre o caso, respeitando o devido processo legal. “Ele é,
em efeito, um decisor “quase judicial” (K/S Norjarl A/S v Hyundai Heavy
Industries Co Ltd [1992] QB 863, 885”)”, conforme as palavras da própria Suprema
Corte do Reino Unido. A Lei Inglesa de Arbitragem de 1996, artigo 33, 34(2) e
40 estabelece que o árbitro deve ser imparcial e as partes devem contribuir
para o andamento da arbitragem, inclusive obedecendo as ordens dos árbitros.
Ainda, existem pouquíssimas situações que possibilitam a remoção de um árbitro
por pedido das partes, previstos nos artigos 23 e 24 desta mesma lei. Além do
mais, acrescentaram os “Lords”, a liberdade contratual de livremente decidir
sobre a forma de resolver seus conflitos emerge desta Lei de Arbitragem no
artigo 1º. Finalmente, os Julgadores concluíram que as leis anti-discriminação
têm o objetivo de promover o amplo acesso ao mercado de trabalho, mas não está
direcionada aos critérios usados pelos “consumidores” de serviços para escolha
de competidores já estabelecidos neste mercado.
CONCLUSÃO
A decisão manteve a validade
da cláusula arbitral firmada pelas partes. Os contratantes são livres para
decidir os meios de solução de disputas e, neste ponto, estão incluídas as
exigências livremente estabelecidas no contrato em relação à pessoa do árbitro.
A razão de ser deste princípio é que o decisor do conflito deve ter ampla
confiança das partes. No caso específico Jivraj v Hashwani, a Seita Ismaili tem
grande tradição em buscar formas alternativas de solucionar seus conflitos, por
isto, foi determinante, no momento de optar pela arbitragem, esta
característica dos árbitros. Não houve, portanto, na visão da Suprema Corte,
uma discriminação injustificada em relação às crenças religiosas de outros possíveis
árbitros.
A Decisão do precedente Jivraj
x Hashwani está disponível em https://www.supremecourt.uk/decided-cases/docs/UKSC_2010_0170_Judgment.pdf
(acessado em 12 de abril de 2015).
The freedom to choose arbitrators – A summary of
Jivraj v Hashwani precedent from the United Kingdom Supreme Court
By Nikolai Sosa Rebelo
The case Jivraj was mentioned by Dr. Eduardo Silva da
Silva during his talk about “Choosing Arbitral Institutions and Arbitrators in
Arbitration Procedures” at PUCRS School of Law on March 30th of 2015.
ISSUE
Jivraj and Hashwani are two Muslims entrepreneurs that
signed a joint venture agreement during the 1980's decade to engage in economic
activities in different parts of the world. The objective of the joint venture
was invest in real estate. The contract had an arbitration agreement, and in
case of conflict, the issue should be submitted to a panel of three
arbitrators, being two of them chosen by each party and a third designated by
the previous two. Additionally, the arbitrators must be Muslims from the sect
Ismaili, because the parties were both from this sect.
After many years, the parties decided to put an end to
the joint venture and a dispute arose regarding the valuation of each party
piece of the deal. The issue assessed by the Supreme Court was not on the
merits of the contract though. Mr. Hashwani intended to indicate an arbitrator
that was not a member of the Ismaili group. He alleged that this clause was
void under the non-discrimination laws in Europe, in general, and in the UK,
specifically.
The debate was weather that clause was valid or not
under the regulations of non-discriminatory employment relationship. The
Supreme Court analyzed the nature of the relationship between the parties and
the arbitrator, in order to reach a conclusion.
RULE
Regulations of Directive 2000/78/EC of 27 November
2000 (OJ 2000 L303, p 16). - Article 1, 2, 3, 4
The Regulations (as amended by section 77(2) of the
Equality Act 2006) - Sections:2, 3, 6, 7
Schedule 9 of the EA (Equality Act)
England arbitration 1996 Act. sections 33, 34, 40, 23,
24, 1
International codes, including the UNCITRAL (United
Nations Commission on International Trade Law) Model Law on International
Commercial Arbitration 1985, the ICC Rules and the London Court of
International Arbitration (“the LCIA”) Rules
Case law
Allonby v Accrington and Rossendale College (Case
C-256/01) [2004] ICR 1328, where the Court of Justice followed the principles
laid down in Lawrie-Blum v Land Baden-Wurttemberg (Case C-66/85) [1987] ICR 483
and in Kurz v Land Baden-Wurttemberg (Case C-188/00) [2002] ECR I-10691.
Percy v Board of National Mission of the Church of
Scotland [2006] 2 AC 28
Perceval-Price v Department of Economic Development
[2000] IRLR 380
O’Brien v Ministry of Justice (Note) [2010] UKSC 34,
[2010] 4 All ER 62
Quinnen v Hovells [1984] ICR 525, Mirror Group
Newspapers Ltd v Gunning [1986] 1 WLR 546, especially per Oliver LJ at 551H and
Balcombe LJ at 556H; Kelly v Northern Ireland Housing Executive [1999] 1 AC 428
and Percy [2006] 2 AC 28 per Lord Hope at para 113, where he referred to two
other cases in the Court of Appeal, namely Patterson v Legal Services
Commission [2004] ICR 312 and Mingeley v Pennock (trading as Amber Cars) [2004]
ICR 727
Tanna v Post Office [1981] ICR 374 and Hugh-Jones v St
John’s College, Cambridge [1979] ICR 848
ICC precedent
K/S Norjarl A/S v Hyundai Heavy Industries Co Ltd [1992] QB 863, 885.
Centrum voor Gelijkheid van Kansen en voor
Racismebestrijding v Firma Feryn NV (Case C- 54/07) [2008] ICR 1390
Stadt Halle v Arbeitgemeinschaft Thermische
Restabfall-und Energieverwertungsanlage TREA Leuna (Case C-26/03) [2005] ECR
I-1 and Marleasing [1990] ECR I-4135.
ANALYSIS
The first instance decided that the non-discrimination
laws mentioned by the claimant was not applicable to the case of arbitration.
The parties may freely decide the features they want in an arbitrator for their
cases. The Court of Appeal reversed the decision, because it adopted the
argument that there was an employment relationship between the parties and the
arbitrators, adopting the broader concept of employment. In that matter, there
was an unlawful discrimination in the contract by limiting the scope of the
procedure of nominating arbitrators to Muslims of the Ismaili sect.
The Supreme Court assessed the case based on the two
theories adopted by the Judge and by the Court of Appeal. Therefore, there was
a necessity to define the nature of the bond between parties and arbitrators in
an arbitration procedure. If the contract between the parties and arbitrator is
considered an employment, then, the parties must respect the Laws of
non-discrimination [(Directive 2000/78/EC of 27 November 2000 (OJ 2000 L303, p
16); Equality Act 2006].
The directive provide (article 1) “a general framework
for combating discrimination on the grounds of religion or belief, disability,
age or sexual orientation as regards employment and occupation, with a view to
putting into effect in the member states the principle of equal treatment.”
According to the Regulations (as amended by section 77(2) of the Equality Act
2006) the interpretation of the norm must consider that:
“(3) In these Regulations ... references to
‘employer’, in their application to a person at any time seeking to employ
another, include a person who has no employees at that time; ‘employment’ means
employment under a contract of service or of apprenticeship or a contract
personally to do any work, and related expressions shall be construed
accordingly ...;
The Court of Appeal relied upon von Hoffmann v
Finanzamt Trier (Case C-145/96) [1997] All ER (EC) 852 to define the nature of
the act of appointing an arbitrator. That Court defined employment as a
situation that a person hire another to personally to do work of any kind. This
include employment and self-employment, such as a lawyer, a counselor and an
arbitrator. Therefore, the appointer of an arbitrator is an employer. The
conclusion was to apply the directive and the Equality Act and they should
assess if the discriminatory clause could be valid under the exception for
genuine occupational requirement based on “religion’s ethos” [regulation - 7(1)
and (3)]. The decision held that this was not the case; therefore, the Court of
Appeal declared the arbitration clause void.
However, the Supreme Court adopted most of the
findings of the Judge, instead of the point of view defended by the Court of
Justice. The Lords Phillips (President), Walker, Mance, Clarke and Dyson agreed
that there was a big difference between an employment relationship and the role
of the arbitrator in the arbitration agreement. Differently from an employee of
any kind (features based on Allonby
Case), the arbitrator must never act in submission to any party in the
procedure. According to the international normative from ICC and UNCITRAL the
arbitrator must act in grounds of independence and impartiality, and decide
according to his or her convictions, respecting the due process. “He is in
effect a ‘quasi-judicial adjudicator’: K/S Norjarl A/S v Hyundai Heavy
Industries Co Ltd [1992] QB 863, 885”, in the words of the Supreme Court of
U.K.. The English Arbitration Act of 1996, in section 33, 34(2), 40, the
arbitrator must be impartial and the parties should comply with the
arbitrators’ orders. There is a few number of situations for removal as
determined in sections 23 and 24. Additionally, the argument of freedom of
choice emerges from the Section 1 of the Arbitration Act, which states, ““the
parties should be free to agree how their disputes are resolved, subject only
to such safeguards as are necessary in the public interest”. Finally, the
reasoning behind the non-discriminatory laws is to provide broad access to the
working force and not “concerned with discrimination by a customer who prefers
to contract with one of their competitors once they have set up in business.”.
Conclusion
The decision was in favor of the maintenance of the
arbitration clause. The parties are free to decide the means they want to adopt
in dispute resolution. This includes the essential characteristics of the
arbitrator, because the decision maker must have the confidence of the parties.
In the specific situation of the Jivraj v Hashwani precedent, the Ismaili sect
has a strong tradition of alternative dispute resolutions, so it was clear that
there was not a case of unreasonable discriminatory clause.
The Jivraj v Hashwani decision is available on line at
https://www.supremecourt.uk/decided-cases/docs/UKSC_2010_0170_Judgment.pdf
(Access in April 12 of 2015).
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