O fortalecimento da
arbitragem no Rio Grande do Sul passa pelo reconhecimento do instituto nos
nossos Tribunais. Assim, podemos dizer que o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul tem tido papel fundamental para o crescimento do instituto, pois tem
mantido e determinado o cumprimento de cláusulas arbitrais validamente
firmadas.
No ano de 2013, foram
19 decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul onde o tema arbitragem
foi posto em questionamento. No corrente ano de 2014, até o mês de junho, o
referido Tribunal já apreciou oito casos. Em nenhum deles os Desembargadores
afastaram a arbitragem pelo argumento da inconstitucionalidade do instituto,
tema que, portanto, mostrou-se enfim superado.
Apenas em uma decisão
de primeira instância, entre os casos julgados pelo TJRS em 2014, trazia o
princípio da inafastabilidade como fundamento para autorizar o julgamento
judicial, mesmo na presença da cláusula compromissória.
Porém, quando do julgamento do Agravo de Instrumento 70057542243, o Tribunal
desfez este argumento, mantendo, de outra banda, a possibilidade de ajuizamento
daquele processo, em razão de a parte estar buscando medidas coercitivas acerca
da execução de título executivo extrajudicial.
Aliás, a tentativa de
afastar a execução de títulos de
créditos vinculados a contratos com cláusula de arbitragem foi tema em outros
três precedentes do ano de 2013. A alegação das partes, nestes casos, era a de
que o Tribunal não podia analisar o caso em razão da existência da convenção de
arbitragem, buscando, porém, escapar à justa execução de título executivo
extrajudial. Por isso, os julgamentos mantinham a execução, uma vez que o
Tribunal Arbitral não tem poderes para adotar medidas coercitivas e a parte
ficaria desamparada, sem nenhuma possibilidade de impor o cumprimento da
obrigação se não fosse autorizada a execução judicial.
Houve hipóteses nos
quais a arbitragem foi afastada em razão de nulidades do contrato como um todo
ou da cláusula de arbitragem em específico. No processo n. 70053386595, a
convenção de arbitragem em 12 contratos foi afastada, com suporte probatório de
falsidade de oito assinaturas de diretor de sociedade de economia mista que não
detinha poderes para firmar compromissos em nome da pessoa jurídica,
envolvendo, inclusive investigação criminal sobre este caso. Importante salientar que, segundo decidido pelo Tribunal, o
caso só pôde ser analisado, pois a fraude era constatável prima facie. Caso
assim não o fosse, a competência para apreciação seria do juízo arbitral.
Já na apelação n. 70052540614, o Judiciário Gaúcho entendeu pela
inaplicabilidade da arbitragem, pois na situação analisada houve novação de
dívida, sem renovação da cláusula arbitral, entendendo-se que a novação implica
novo contrato, no qual deveria ter sido incluída
novamente a cláusula arbitral para que esta fosse operável. Já
no julgamento do processo n. 70048405757, a 19ª Câmara Cível do TJRS entendeu
que as partes abriram mão do procedimento
arbitral,
pois a autora ajuizou a ação judicial e o réu apresentou contestação sem alegar
a preliminar de incompetência do Judiciário na sua primeira oportunidade de
manifestação no processo (na forma do Código de Processo Civil, art. 301, IX),
não podendo pretender afastar a competência ao longo do processo judicial, o que se dá com o fim de impossibilitar estratégias
processuais que visem a anular o processo após anos de trâmite.
Por fim, outro caso no qual houve
decretação da nulidade da convenção de arbitragem firmada pelas partes envolvia
relação de consumo, tendo sido entendido pelos julgadores que a cláusula foi
imposta pelo fornecedor, o que é vedado pelo Código de Proteção e Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/90, art. 51, VII). O julgamento de n. 70051678332 ainda expôs entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, para o qual o artigo 4º, §2º da Lei 9.307/96 não
teve o condão de revogar o contido na Lei Consumerista, a qual se trata de lei
especial, e que o mencionado dispositivo da Lei Arbitral tem aplicabilidade em
face dos contratos de adesão genéricos, tão-somente.
Os casos em que a
arbitragem foi mantida também merecem destaque. Dois desses precedentes
envolvem a chamada cláusula patológica, sendo inclusive sobre contratos
relacionados entre si (Processos n. 70052917788 e 70052335056). Apesar de
mantida a arbitragem, merece ser criticada a redação de cláusula arbitral onde
se adota a expressão “As partes poderão”
solucionar suas controvérsias por arbitragem. A cláusula de arbitragem deve ser
sempre firme, sem deixar dúvidas de
que as partes livremente, em juízo de autodeterminação, afastaram a busca do
judiciário para solucionar seus conflitos. Outro caso que merece a análise
crítica é o julgamento do processo n. 70041853730. Mesmo homologando a sentença
arbitral, ao determinar a sua execução, o Tribunal de Justiça entendeu por
reduzir a execução de multa contratual de 20% para 10%, sob fundamento de
abusividade dessa cláusula, o que por certo deveria ter sido submetido para
apreciação do Tribunal Arbitral, já que integra o mérito da lide, e não ser
extirpado por suposto excesso de execução. Por fim, entre os casos de destaque,
merece comentário o julgamento do processo n. 70055494850, que tratou do tema
“Jurisdição Prematura”. Sobre esta teoria,
o Tribunal de Justiça, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça,
manifestou-se no sentido de que tanto o Poder Judiciário como a próprio Câmara
Arbitral têm competência para analisar a existência, a validade, a extensão e a
eficácia da convenção de arbitragem, devendo, no entanto, a parte buscar
primeiramente a arbitragem, antes de ser judicializada a questão.
Em conclusão,
verificou-se que o Judiciário do Rio Grande do Sul aceita mais a solução por
arbitragem do que nos tempos primórdios da Lei 9.307/96. Este é um importante passo para uma ampla compreensão deste
importante instituto jurídico, ainda existindo um longo caminho
a percorrer. Também podemos afirmar, à guisa de conclusão, que os casos levados
ao debate judicial tendem a ser menores, possivelmente provocados por partes
menos habituadas ao moderno ambiente negocial globalizado. Sociedades
empresárias de portes maiores, ou acostumadas a transacionar em vários âmbitos,
normalmente não buscam anulação da arbitragem, salvo casos muito graves (como,
por exemplo, o precedente supracitado,
no qual foram constatadas fraudes nos contratos). Destarte, o ambiente está
propício para o amadurecimento do instituto da arbitragem como meio alternativo
de solução de conflitos no estado do Rio Grande do Sul, como já vem ocorrendo
nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
(Por Nikolai Sosa
Rebelo e Alysson Dutra Rojas Garcia)
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