Thursday, August 7, 2014

A Arbitragem na Justiça gaúcha em 2013.



O fortalecimento da arbitragem no Rio Grande do Sul passa pelo reconhecimento do instituto nos nossos Tribunais. Assim, podemos dizer que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem tido papel fundamental para o crescimento do instituto, pois tem mantido e determinado o cumprimento de cláusulas arbitrais validamente firmadas.
No ano de 2013, foram 19 decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul onde o tema arbitragem foi posto em questionamento. No corrente ano de 2014, até o mês de junho, o referido Tribunal já apreciou oito casos. Em nenhum deles os Desembargadores afastaram a arbitragem pelo argumento da inconstitucionalidade do instituto, tema que, portanto, mostrou-se enfim superado.
Apenas em uma decisão de primeira instância, entre os casos julgados pelo TJRS em 2014, trazia o princípio da inafastabilidade como fundamento para autorizar o julgamento judicial, mesmo na presença da cláusula compromissória. Porém, quando do julgamento do Agravo de Instrumento 70057542243, o Tribunal desfez este argumento, mantendo, de outra banda, a possibilidade de ajuizamento daquele processo, em razão de a parte estar buscando medidas coercitivas acerca da execução de título executivo extrajudicial.
Aliás, a tentativa de afastar a execução de títulos de créditos vinculados a contratos com cláusula de arbitragem foi tema em outros três precedentes do ano de 2013. A alegação das partes, nestes casos, era a de que o Tribunal não podia analisar o caso em razão da existência da convenção de arbitragem, buscando, porém, escapar à justa execução de título executivo extrajudial. Por isso, os julgamentos mantinham a execução, uma vez que o Tribunal Arbitral não tem poderes para adotar medidas coercitivas e a parte ficaria desamparada, sem nenhuma possibilidade de impor o cumprimento da obrigação se não fosse autorizada a execução judicial.
Houve hipóteses nos quais a arbitragem foi afastada em razão de nulidades do contrato como um todo ou da cláusula de arbitragem em específico. No processo n. 70053386595, a convenção de arbitragem em 12 contratos foi afastada, com suporte probatório de falsidade de oito assinaturas de diretor de sociedade de economia mista que não detinha poderes para firmar compromissos em nome da pessoa jurídica, envolvendo, inclusive investigação criminal sobre este caso. Importante salientar que, segundo decidido pelo Tribunal, o caso só pôde ser analisado, pois a fraude era constatável prima facie. Caso assim não o fosse, a competência para apreciação seria do juízo arbitral. Já na apelação n. 70052540614, o Judiciário Gaúcho entendeu pela inaplicabilidade da arbitragem, pois na situação analisada houve novação de dívida, sem renovação da cláusula arbitral, entendendo-se que a novação implica novo contrato, no qual deveria ter sido incluída novamente a cláusula arbitral para que esta fosse operável. Já no julgamento do processo n. 70048405757, a 19ª Câmara Cível do TJRS entendeu que as partes abriram mão do procedimento arbitral, pois a autora ajuizou a ação judicial e o réu apresentou contestação sem alegar a preliminar de incompetência do Judiciário na sua primeira oportunidade de manifestação no processo (na forma do Código de Processo Civil, art. 301, IX), não podendo pretender afastar a competência ao longo do processo judicial, o que se dá com o fim de impossibilitar estratégias processuais que visem a anular o processo após anos de trâmite. Por fim, outro caso no qual houve decretação da nulidade da convenção de arbitragem firmada pelas partes envolvia relação de consumo, tendo sido entendido pelos julgadores que a cláusula foi imposta pelo fornecedor, o que é vedado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, art. 51, VII). O julgamento de n. 70051678332 ainda expôs entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o qual o artigo 4º, §2º da Lei 9.307/96 não teve o condão de revogar o contido na Lei Consumerista, a qual se trata de lei especial, e que o mencionado dispositivo da Lei Arbitral tem aplicabilidade em face dos contratos de adesão genéricos, tão-somente.
Os casos em que a arbitragem foi mantida também merecem destaque. Dois desses precedentes envolvem a chamada cláusula patológica, sendo inclusive sobre contratos relacionados entre si (Processos n. 70052917788 e 70052335056). Apesar de mantida a arbitragem, merece ser criticada a redação de cláusula arbitral onde se adota a expressão “As partes poderão” solucionar suas controvérsias por arbitragem. A cláusula de arbitragem deve ser sempre firme, sem deixar dúvidas de que as partes livremente, em juízo de autodeterminação, afastaram a busca do judiciário para solucionar seus conflitos. Outro caso que merece a análise crítica é o julgamento do processo n. 70041853730. Mesmo homologando a sentença arbitral, ao determinar a sua execução, o Tribunal de Justiça entendeu por reduzir a execução de multa contratual de 20% para 10%, sob fundamento de abusividade dessa cláusula, o que por certo deveria ter sido submetido para apreciação do Tribunal Arbitral, já que integra o mérito da lide, e não ser extirpado por suposto excesso de execução. Por fim, entre os casos de destaque, merece comentário o julgamento do processo n. 70055494850, que tratou do tema “Jurisdição Prematura”. Sobre esta teoria, o Tribunal de Justiça, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se no sentido de que tanto o Poder Judiciário como a próprio Câmara Arbitral têm competência para analisar a existência, a validade, a extensão e a eficácia da convenção de arbitragem, devendo, no entanto, a parte buscar primeiramente a arbitragem, antes de ser judicializada a questão.
Em conclusão, verificou-se que o Judiciário do Rio Grande do Sul aceita mais a solução por arbitragem do que nos tempos primórdios da Lei 9.307/96. Este é um importante passo para uma ampla compreensão deste importante instituto jurídico, ainda existindo um longo caminho a percorrer. Também podemos afirmar, à guisa de conclusão, que os casos levados ao debate judicial tendem a ser menores, possivelmente provocados por partes menos habituadas ao moderno ambiente negocial globalizado. Sociedades empresárias de portes maiores, ou acostumadas a transacionar em vários âmbitos, normalmente não buscam anulação da arbitragem, salvo casos muito graves (como, por exemplo, o precedente supracitado, no qual foram constatadas fraudes nos contratos). Destarte, o ambiente está propício para o amadurecimento do instituto da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos no estado do Rio Grande do Sul, como já vem ocorrendo nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.


(Por Nikolai Sosa Rebelo e Alysson Dutra Rojas Garcia)

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