Eduardo Silva da Silva*
Luis Fernando Guerrero
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Thiago Marinho Nunes ***
A sociedade da informação é também a sociedade da oportunidade e
do risco (CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, Paz e Terra, 1999 e BECK,
Ulrich. La sociedad del riesgo. Paidos, 1998). As grandes estruturas de
armazenamento de dados, interação entre sistemas eletrônicos e comunicação
entre pessoas e instituições reestruturaram o próprio modo de realizar e de
formalizar negócios jurídicos. As novas tecnologias de informação também diminuíram
consideravelmente as latitudes universais e esmaeceram fronteiras culturais. Os
nomes de domínio, neste contexto, são fundamentais. São eles que tornam possível
e fácil o acesso aos endereços da internet, traduzindo os pontos ocupados por
cada computador na rede (os IP, Internet Protocol) numa fórmula mais
compreensível, significativa e memorizável. Assim que – num exemplo
disponibilizado pelo próprio ICANN,
o órgão que globalmente
regula os nomes de domínio – o seu IP "192.0.34.65" transforma-se em
www.icann.org.
Para além de um
imperativo técnico, viabilizador do acesso à rede das redes, os endereços
consubstanciaram-se em ferramenta vital para a organização da própria internet.
Por eles é que se torna possível localizar, acessar e divulgar em âmbito sempre
maior a existência e o funcionamento das empresas e das instituições. No novo
território do virtual (LEVY, Pierre. O que é virtual?, Editora 34, 1996),
são os endereços que fazem real a empresa física pesquisada na tela do
computador ou de outro gadget antes da primeira visita presencial. Em
2010, o chamado comércio eletrônico no Brasil movimentou mais de R$ 14 bilhões
e cresceu em taxas superiores a 40% em relação ao ano anterior (informações da
Consultoria E-bit). A marca, propriedade imaterial e intangível de cada
empresa, alcança pela internet um precioso espaço de divulgação e de consolidação
junto ao seu destinatário.
Daí a natureza
patrimonial dos domínios da internet e sua crescente relevância. Empregar o
endereço que mais diretamente evidencia o serviço, produto, bem ou pessoa pode
determinar um ganho competitivo importante. Mesmo os sofisticados serviços de
busca não dispensam que se mantenha certa pertinência entre a atividade
desenvolvida e o endereço escolhido para figurar na rede.
Ainda que o ICANN tenha
ampliado nos últimos anos as possibilidades de combinações possíveis aos nomes
de domínio, estes sempre serão limitados diante da demanda. Ocorre com frequência
que, simultaneamente, mais de uma empresa pretenda utilizar o mesmo endereço.
Os vocativos empregados pelas marcas e pelas razões sociais não são distintos
dos que povoam a criatividade e a realidade da sociedade: sobrenomes, trocadilhos
de palavras e frases circulam livre e simultaneamente por diversos pontos do país
e do globo. Certamente, grande número de coincidências se dará quando se
pretender registrar o endereço www..ideias.com.br: ele pode pertencer a um
shopping, a uma galeria de arte ou a uma escola. Pode, ainda, designar alguma
atividade comercial no Rio Grande do Sul ou uma agência de turismo no Rio de
Janeiro. Não é usual o emprego das designações mais recomendadas como adv (para
advogados), tur (para turismo), entre tantas outras.
Dado, portanto, o valor patrimonial que
possuem as marcas – e são meros exemplos os casos do Facebook e do Google
que atingem a esfera dos bilhões de dólares – elas passam a constituir
parcela significativa do patrimônio da empresa, instituição ou indivíduo.
Marcas e nomes de domínio são patrimônios distintos, mas inexoravelmente
interligados. Neste quadro, é preciso definir como reconhecer qual das tantas e
coincidentes pretensões de emprego, de um mesmo nome de domínio, é realmente
legítima. Existem critérios. Mas eles precisam ser impostos
de forma célere, transparente e efetiva.
Esta necessidade – de uma resposta que restabeleça
no campo da internet a legitimidade do uso de determinado endereço – é ainda
mais urgente quando a propriedade foi usurpada por práticas ilícitas e
desleais. A cena comum no início da internet continua a se reproduzir hoje: o
registro indiscriminado de endereços que possam vir a adquirir valor econômico
no futuro ou que, já o possuindo hoje, não foram devidamente registrados por
quem de direito. Trata-se de verdadeiro sequestro da identidade virtual – uma
espécie de cyberpirataria, não poucas vezes seguidos de infames pedidos
de resgates ao verdadeiro titular que se vê, em muitas oportunidades, impedido
de utilizar o que é legitimamente seu. Tal como ocorreu com
o Corinthians
Futebol Clube, entre outros casos notórios, envolvendo empresas, celebridades,
programas de televisão e instituições.
A cyberpirataria
se renova a cada novo evento artístico, esportivo ou social. Revive ao
surgimento de um astro popular. Cresce em paralelo às novas denominações da mídia
para programas e séries de TV. Se vale do lançamento de novo produto ou serviço
para auferir lucro ilícito. Um processo judicial moroso, caro e nem sempre
eficaz pode comprometer uma estratégia empresarial e os investimentos iniciais
de um grande investimento.
O calendário
brasileiro, repleto de eventos da grandeza de uma copa e de uma olimpíadas, é
favorável à criação de réplicas de sites verdadeiros. Valendo-se da própria
imperícia do usuário da internet ao digitar um endereço, pode se aportar, ainda
que sem desejar, em sítios que em tudo parecem com o autêntico, embora, em
verdade, não passam de verdadeiras arapucas criminosas prontas para captar
dados sensíveis do consumidor ou espalhar toda a sorte de infecções a sua máquina
ou rede.
Uma gama de
riscos, portanto, ronda o espaço de oportunidades da sociedade da informação.
Estes riscos precisam ser mitigados com o emprego de ferramentas adequadas e próprias
para, de forma definitiva, garantir a (a) devolução do endereço a quem seja o
legítimo usuário e (b) retirar do ar sites lesivos à marca comercial e ao próprio
consumidor.
Estas
ferramentas até pouco encontravam-se fora do Brasil em entes como a organização
mundial da propriedade intelectual (OMPI/WIPO), em que a resolução de conflitos
da natureza aqui discutida se dava por meio do recurso ao Uniform Dispute
Resolution Policy (UDRP). Contudo, desde dezembro de 2010, o nosso país
dispõe igualmente da possibilidade de realização de painéis de solução de
conflitos sobre nomes de domínio também pelo Comitê de Controvérsias sobre
Registro de Domínio ancorado no Centro de Arbitragem da Câmara Brasil Canadá
(CCRD/CMA -CCBC). Um verdadeiro Dispute Board sobre nomes de domínio.
O CCRD está
constituído junto a um dos principais centros arbitrais do país. Com uma história
que antecede à própria lei 9.307/96 (clique aqui), já realizou
arbitragens de demandas expressivas e possui quadro de árbitros reconhecidos
mundialmente. Em mais um movimento de vanguarda, conveniou-se ao Núcleo de
Informação e Coordenação do ponto BR (NIC.br, do Comitê Gestor da Internet) e
oferece ao país uma plataforma jurídica para superação de impasses acerca deste
importante componente patrimonial que é a própria marca das empresa traduzida
num endereço web.
O
procedimento é bem claro, simples e eficiente. Decorre da manifestação do
interessado em reaver ou receber determinado nome de domínio que esteja sendo
usado por outro indivíduo ou empresa de forma ilegítima. Após a formação do
contraditório, examinam-se as provas e evidências que possam revelar quem
efetivamente seja o legítimo titular do domínio discutido. Todo o procedimento
não deverá ultrapassar três meses. A decisão final poderá ser prolatada por um único
membro do órgão de decisão ou por um colegiado de três pessoas e, de toda a
sorte, será prontamente acatada pelo órgão executor.
Grande parte
deste procedimento ocorre virtualmente, pela própria rede, sem o obrigatório
deslocamento de partes que podem estar em pontos extremos de nosso país de
dimensões continentais.
A mera
disponibilidade deste serviço empresta ao comércio eletrônico brasileiro uma
atmosfera singular de segurança jurídica capaz de tornar o Brasil um destino
preferencial dos investimentos e oportunidades embutidos em tecnologias que estão
em permanente inovação. Tendo o comércio eletrônico se estabelecido como
realidade, há que se garantir a segurança técnica e jurídica necessárias. O
Comitê de Controvérsias sobre Registro de Domínios da CCBC alia-se aos
instrumentos que podem potencializar as oportunidades de negócios e mitigar os
riscos inerentes à velocidade e ao dinamismo da sociedade da
informação.
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*Doutor em Direito
Privado e Processual na UFRGS.
*Doutorando
em Direito Processual na USP e sócio de Dinamarco, Rossi, Beraldo &
Bedaque Advocacia
***Doutor em
Direito Internacional na USP.
****Os três são membros
do Comitê de Controvérsias sobre Registro de Domínios do Centro de
Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e do Comitê
Brasileiro de Arbitragem.
Fonte: Migalhas
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