Quem já negociou contratos ou acordos complexos
sabe o tempo e energia gastos pelas partes para se chegar a um
denominador comum. São esforços significativos para se definir
estruturas, prazos, preços, garantias, entre outras disposições de
relevância específica para cada negócio.
Quando se chega
finalmente à discussão a respeito do método de solução de disputas, o
que por hábito se localiza nas últimas páginas da avença, tem-se a
impressão de que o importante já teria sido acordado. Isso, porém, não é
verdade. Imaginar que o método de solução de disputas não impacta o
desenho contratual e não tem relação com as demais cláusulas pactuadas
pode trazer verdadeiras ineficiências contratuais.
Cada contrato
espelha uma relação econômica específica. Logo, é até intuitivo supor
que para cada operação econômica um método de solução de disputas se
mostrará mais apropriado, integrando, ele mesmo, a própria equação
econômica do negócio.
Contratos de longa duração trazem em si a premissa de um continuum
que se propaga no tempo. São pactos em que os deveres de boa-fé,
cooperação e lealdade são exigidos em maior grau do que aqueles de
execução instantânea, cumpridos quase que ao mesmo tempo em que
celebrados.
Os pactos de duração também estão mais expostos a
riscos e modificações no panorama originário, alheios ou não à vontade
das partes. Tais contratos ambicionam o atributo da perenidade, no
sentido de se atingir o seu termo final, mediante regular e integral
cumprimento, o que conduz a uma reflexão sobre a tensão que existe entre
a necessária estabilidade da avença e a não menos necessária
continuidade no tempo.
Nessas estruturas contratuais, antecipar
todas as consequências futuras esbarra em duas barreiras inevitáveis. A
primeira delas é de natureza humana. O contratante encarregado da
negociação tem visão limitada, de forma que, se a ele é possível prever
determinadas contingências, imaginar todas as possibilidades contratuais
é tarefa sobre-humana, majorada em uma sociedade do risco. A segunda é
representada pelos custos, quase tão intransponível quanto a barreira
humana. Negociar contratos custa tempo e dinheiro. Uma vez reconhecida a
limitação humana em antecipar todas as contingências negociais, lacunas
são intencionalmente deixadas para serem completadas ao longo da
própria execução das obrigações.
Para essas situações, sujeitas
não apenas a maior contingência e risco de mudança no panorama inicial,
mas também a inevitáveis lacunas deixadas pelas partes, mostra-se
recomendável o emprego de métodos de governança contratual que facilitem
as adaptações necessárias no curso da avença, ao mesmo tempo em que
primem por maior colaboração entre as partes. Aí entra o papel da
arbitragem.
Mais do que uma simples forma de solução de
controvérsias, a arbitragem permite uma compreensão mais precisa do
contexto contratual discutido, já que os julgadores são especialistas na
matéria controvertida. A dimensão sigilosa e o formato menos agressivo
do que o contencioso estatal também contribuem para que o elemento de
continuidade contratual não seja ameaçado por eventuais disputas
surgidas entre as partes, preservando-se o relacionamento empresarial e a
reputação de antigos parceiros no mercado. Em outras palavras, com a
arbitragem não se inviabiliza o cumprimento do negócio ao longo do
tempo. Aliás, bem ao inverso disso. Assegura-se sua perenidade.
Note-se
que esse racional de eficiência é aplicável a uma gama variada de
instrumentos de longa duração pactuados todos os dias, de contratos de
sociedade a joint-ventures ou grandes empreendimentos de
infraestrutura e construção. Nessas situações, ter disponível método de
solução de disputas mais aderente à realidade econômica da operação pode
fazer a diferença.
Isso não significa que a arbitragem deixe de
ser um método litigioso. A arbitragem é uma forma de adjudicação
compulsória de conflitos, que, sem a possibilidade de composição,
terminará com uma decisão obrigatória às partes. Entretanto, em razão de
sua dinâmica própria, somada ao preparo dos profissionais e árbitros
envolvidos, tem-se normalmente ambiente de maior cordialidade, propício à
possibilidade de acordo e à célere finalização da disputa.
Diferentemente
do que se possa pensar, tratar a escolha do método de solução de
controvérsias como algo independente do resto do contrato pode trazer
implicações preocupantes. Descobrir que o método escolhido não é o mais
adequado, quando o conflito já surgiu, dificilmente terá como ser
remediado. O ideal é que a escolha seja feita conscientemente no momento
da celebração do contrato, alinhando-se os interesses das partes e a
própria estrutura negocial em discussão. Nesse contexto, a arbitragem
pode se mostrar uma grande aliada nos pactos de longa duração. Ter a
sensibilidade de perceber essa eficiência contratual e sugerir tal
escolha às partes é tarefa que se espera dos advogados.
Giovanni Ettore Nanni é sócio de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva na área de contencioso e arbitragem.
Maria da Graça de Almeida Prado é advogada na área de Arbitragem do escritório TozziniFreire Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2012
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