Se é certo
que o acesso aos autos de determinados processos é vedado - por exemplo,
a investigação de paternidade -, a regra é que os processos judiciais
são públicos: qualquer cidadão lhes pode pedir vista e compulsá-los. Mas
o que dizer sobre a arbitragem?
No mundo
anglo-saxão, sempre se assumiu como imperativo que os árbitros e as
partes não devem revelar informações relativas à arbitragem. Argumento
comum é que as partes procuram a arbitragem justamente em razão do seu
caráter confidencial. Basta também ler algumas disposições da American
Arbitration Association (Commercial Arbitration Rules). Caso sempre
citado é o de "Dolling-Baker" v. "Merrett and others", julgado no início
dos anos 90 na Court of Appeal inglesa. Ele estabeleceu, por assim
dizer, o precedente de que a confidencialidade é um elemento que decorre
da natureza essencialmente sigilosa ou privada da arbitragem. Só se
fazia exceção a esse dever de manter a sentença em segredo se as partes
com isso concordassem ou a Corte Arbitral houvesse por bem emitir uma
ordem nesse sentido. O leading case perdurou na memória dos árbitros e
da comunidade arbitral anglo-saxã até que tivemos a decisão do caso
"Esso Australia Resources Ltd". v. Plowman", prolatada pela High Court
australiana em 1995. A decisão, claramente se referindo ao caso
"Dolling-Baker" v. "Merrett", afasta a ideia de que a confidencialidade é
essencial à arbitragem.
Via de
regra, os sistemas jurídicos nacionais não costumam trazer qualquer
norma a respeito do sigilo; exceção é a lei de arbitragem neozelandesa
(parágrafo 14 da Arbitration Act 1996). É idêntico o caso brasileiro.
Não há qualquer regra expressa quanto ao sigilo na Lei nº 9.307, de
1996, nossa não raro elogiada Lei de Arbitragem.
A violação do sigilo gera a pretensão de indenização por perdas e danos
A sugestão
de José Emílio Nunes Pinto, um dos grandes especialistas em arbitragem, é
perspicaz. Segundo ele, embora não haja uma regra geral de
confidencialidade, o artigo 13, parágrafo 6º da Lei de Arbitragem impõe
aos árbitros o "sigilo sobre o procedimento, seus atos, documentos,
informações e dados trazidos pelas partes e, ainda, quanto à própria
sentença arbitral".
Ele cria um
leque de deveres que recaem, nesse caso, exclusivamente sobre os
árbitros. Entre eles, o de discrição. E não será a discrição a qualidade
daquele que guarda segredo? O seu uso próprio, no contexto, é também
este: nas demais qualidades - imparcialidade, independência, competência
e diligência - já está expressa a ideia de prudência (outro sentido
comum de "discrição"); o que nos leva a concluir que, aqui, a palavra
assume o seu sentido especial.
A violação do sigilo, assim, gera para as partes a pretensão de indenização por perdas e danos.
A existência
de um dever de sigilo dirigido às partes exclusivamente com base na Lei
de Arbitragem é ponto menos pacífico. Como resolver um caso em que uma
das partes alegue e prove que a outra divulgou documentos produzidos ou
usados num procedimento arbitral?
Desse ponto
de vista ético, é seguro afirmar que tal conduta não está de acordo com o
padrão que se espera. Todos conhecem o caráter sigiloso da arbitragem; é
quase sempre um dos motivos mais relevantes do recurso a esse meio de
resolução de conflitos. Ao violar o sigilo, a parte, além de provocar
danos à outra, rompe com a própria base do contrato consistente na
cláusula compromissória ou compromisso arbitral, ainda que ela não
mencione expressamente a confidencialidade.
É por isso que o argumento mais eficaz em favor do dever de sigilo das partes na arbitragem é a cláusula geral da boa-fé.
O que era
uma expectativa ética se torna, via cláusula geral da boa-fé, uma
proibição em sentido estrito. As regras dos arts. 113 e 422 do Código
Civil se dirigem às partes do contrato; e por isso dizem como deve-ser a
sua conduta. Por isso o dever de sigilo não é apenas uma recomendação
ética, mas uma proibição direta de ações que o violem.
Naturalmente,
não apenas a boa-fé justifica (ou 'jurisdiciza') o dever de sigilo das
partes. Trata-se também de um dever decorrente do subsistema jurídico no
âmbito da arbitragem: se os árbitros devem guardar sigilo, é uma
consequência lógica que as partes também o devam. Também outras pessoas
que funcionem numa arbitragem estão obrigadas à confidencialidade.
Recomenda-se,
não sem motivo, entretanto, que (i) se escolha uma instituição arbitral
que proteja o sigilo e (ii) que se pactue o sigilo expressamente na
cláusula compromissória. Se as partes desejam sigilo completo, não se
podem furtar a essa providência.
Por Julio Cesar L. Lemos.
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