- Tarcísio Araújo Kroetz, advogado e coordenador regional do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr)
Os festejos
pelos 15 anos de aplicação da Lei 9.307 (Lei de Arbitragem) no Brasil devem-se,
em muito, ao papel que o Poder Judiciário exerceu na consolidação da arbitragem
como meio de resolução de controvérsias. O teste crucial para a aplicação do
instituto foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirmou os efeitos
de decisão judicial à sentença arbitral (SE 5206). Desde então, prescinde-se de
homologação pelo Poder Judiciário a sentença proferida em arbitragem nacional.
Mas a
maturidade da aplicação da Lei de Arbitragem requer a consolidação da harmônica
integração entre as funções do árbitro e do juiz estatal. Ora, se é bem verdade
que na maioria das vezes o juízo arbitral dispensa qualquer intervenção
judicial, a segurança jurídica da relação entre as competências arbitral e judicial
é sustentada pelo reconhecimento dos limites da arbitragem pelo Poder
Judiciário.
Em especial,
a conexão entre arbitragem e jurisdição ocorre diante da necessidade de medidas
coercitivas ou cautelares, que, nos termos da Lei de Arbitragem, podem, quando
necessário, ser solicitadas pelo árbitro ao juiz que seria originalmente
competente.
Mas quais
seriam os limites para tal possibilidade?
Processualista
celebrado, Miguel Ángel Fernández-Ballesteros, professor catedrático da
Universidade Computense de Madrid, adota posição contrária à prostração da
arbitragem, inclusive em razão das tutelas de urgência. Para ele, a
“americanização” dos procedimentos traz a herança maldita da experiência dos
litigators da common Law que, no afã de impedir o julgamento pelo júri popular,
servem-se de todos os expedientes para inibir uma solução definitiva.
Em recente
julgamento do REsp 1.297.974/RJ, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu
decisão que delimitou as fronteiras entre juízo arbitral e o juízo estatal nas
medidas cautelares.
Da leitura
do acórdão depreendem-se certas assertivas: (i) o árbitro é competente para
processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes; (ii) na pendência ou
impossibilidade de constituição da arbitragem as partes podem socorrer-se do
Poder Judiciário para assegurar o resultado útil da arbitragem; (iii) o árbitro
tem competência para revisar as decisões judiciais cautelares anteriores à sua
constituição; e (iv) o árbitro não tem poderes coercitivos, de forma que, se
necessário, deverá socorrer-se do Poder Judiciário para execução de decisões no
procedimento arbitral.
Destas
assertivas inferem-se algumas conclusões: (i) o Poder Judiciário não interfere
na competência do árbitro, ainda que uma das partes necessite de medida
cautelar; (ii) a convenção arbitral, quando vincula as partes a regulamento que
preveja a competência de árbitro de urgência, derroga a competência estatal
para providências cautelares; (iii) as medidas cautelares proferidas pelo
árbitro não estão adstritas aos termos do Código de Processo Civil (CPC); e
(iv) pela mesma linha de raciocínio, pode dizer-se que os procedimentos
especiais de jurisdição contenciosa também devem ser submetidos ao árbitro,
despojados da rigidez do CPC.
Essas
conclusões podem gerar certas questões em contratos comerciais em que as partes
tenham optado pela arbitragem.
Tome-se em
consideração, por exemplo, o caso em que o credor de uma obrigação se recusa a
recebê-la. Uma das alternativas para o devedor seria a propositura de ação de
consignação em pagamento com procedimento especial previsto no CPC. Nessa
situação, diante da convenção arbitral, deveria a parte iniciar a arbitragem ou
propor ação judicial? A jurisprudência portuguesa, por exemplo, não admite a
arbitragem para consignação em pagamento, pois este seria “um daqueles casos em
que Estado não abdicou ou admitiu ceder o seu poder jurisdicional, e que por
isso se encontra excluído da competência dos tribunais arbitrais”
(RP200902030823701).
Tal
entendimento alienígena, contudo, não parece consonante com o Direito pátrio de
incompetência absoluta do Poder Judiciário diante da convenção arbitral,
ressalvadas as hipóteses legais.
Pois, se o
árbitro é competente para dirimir todos os conflitos sobre direitos
patrimoniais disponíveis entre as partes, é competente para analisar matérias
cujo processamento se dá, na justiça estatal, por procedimento especial,
inclusive a consignação, que é modalidade de pagamento prevista no Código Civil
(CC).
Nesse ponto,
deve dar-se especial atenção aos regulamentos arbitrais que possibilitam às
partes a indicação de árbitros de urgência para resolver questões
pré-arbitrais. Algumas câmaras arbitrais incluem tal possibilidade em seus
regulamentos. É o caso do recente regulamento da Câmara de Comércio Internacional
(CCI), bem como da International Center for Dispute Resolution (ICDR).
Percebe-se,
dos exemplos, que a previsão do árbitro de urgência em regulamentos arbitrais
está se tornando, com o crivo jurisprudencial, mais um instrumento de
consolidação da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos no
Brasil, sem necessidade de alteração da lei.
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