Com
mais de 40 anos de atraso – mas sempre a tempo – o Brasil acaba de
formalizar a sua adesão incondicional à Convenção relativa ao
Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais Internacionais celebrada,
em New York, em 1958. Dessa forma, ao passar a integrar o grupo de
países signatários da denominada Convenção de New York, o Brasil dá mais
um passo, e este bastante significativo, na consolidação do instituto
da arbitragem.
Muito
embora a arbitragem tenha sempre feito parte integrante da legislação
brasileira desde o século 19, certo é que nossa legislação não
acompanhou a evolução do instituto através do tempo, mantendo por muitas
décadas uma feição superada e obsoleta, o que impediu que a mesma
pudesse ser considerada como instrumento de solução de controvérsias. A
existência, portanto, de um marco legal aplicável à arbitragem que não
contemplasse a execução específica da cláusula compromissória a
desqualificava como instrumento hábil para a solução de controvérsias na
medida em que não se conferia às partes contratantes a segurança de
ver, à efetiva ocorrência de qualquer divergência, a instauração do
procedimento arbitral para a solução da mesma, nos exatos termos em que
haviam originalmente ajustado. Ainda assim, buscou-se, na prática, a
imposição de penalidades onerosas como mecanismo de indução ao
cumprimento da cláusula compromissória pelas partes signatárias. Na
realidade, a solução de controvérsias não se resume no pagamento de
penalidades e, muitas vezes, a solução efetiva por meio adoção do
procedimento escolhido é de valor inestimável.
No
entanto, para desfazer esse quadro sombrio e obsoleto que cercava a
arbitragem no Brasil, deu-se um primeiro passo muito importante quando
da edição da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 – a Lei de
Arbitragem. Com o advento desta, removeu-se o obstáculo que sempre
impediu o desenvolvimento da arbitragem no País, ao conferir-se execução
específica à cláusula compromissória. Embora não seja este o foco deste
artigo, certo é que, numa perspectiva de registro histórico, não se
poderá deixar de mencionar a questão de constitucionalidade levantada no
Supremo Tribunal Federal quanto a artigos da Lei de Arbitragem, o que
veio a ser deslindado em longo julgamento pela Suprema Corte. Assim
sendo, reafirmada a constitucionalidade das disposições em questão,
abriu-se o caminho para que a arbitragem encontrasse, no Brasil, a mesma
adesão com que conta em outros países.
No
entanto, restava pendente a adesão brasileira à Convenção de New York
de 1958. Muito embora o Brasil houvesse anteriormente aderido à
Convenção do Panamá de 1975 sobre o mesmo assunto, mas com escopo mais
reduzido quanto aos países participantes, e contasse ainda com um
capítulo na Lei de Arbitragem regulando o reconhecimento e execução de
laudos arbitrais estrangeiros cuja linguagem é substancialmente a mesma
da Convenção, restava em aberto a adesão à Convenção de New York, que,
na realidade, é um título de maturidade aos países signatários. A todos
causava surpresa a relutância do Brasil em aderir à Convenção, o que
somente veio a se materializar neste ano de 2002. Com mais de 40 anos de
atraso, é verdade, mas sempre oportuna e festejada.
Assim
sendo, todas as circunstâncias conduzem a que a arbitragem possa se
desenvolver e se consolidar no Brasil como instrumento eficaz para
solução de controvérsias. Há um perfeito sincronismo entre o momento em
que se adere à Convenção e o estágio atual do desenvolvimento de
projetos de grande porte e de estruturas de operações complexas e
sofisticadas. Nesses casos, o desejável é que se recorra à arbitragem
como mecanismo eficiente e eficaz de controvérsias. Por outro lado, a
adoção desse mecanismo para a solução de controvérsias no âmbito dos
contratos de concessão para exploração de gás e petróleo estava a
requerer, por parte de toda a indústria, a eliminação de dúvidas e
incertezas quanto à aplicação efetiva do procedimento arbitral.
Entretanto,
a ratificação da Convenção de New York e, em especial, a linguagem do
Artigo III da mesma, trouxe à discussão a questão relativa à necessidade
ou não, pós-ratificação, de se proceder à homologação do laudo arbitral
estrangeiro junto ao Supremo Tribunal Federal para assegurar seu
reconhecimento e execução no Brasil. Muitos são os argumentos que estão
sendo trazidos ao debate com base na letra da parte final do Artigo III
que estabelece que “ao reconhecimento ou execução dos laudos arbitrais a
que se apliquem esta Convenção não serão impostas substancialmente
condições mais onerosas ou custas ou encargos maiores que os impostos
quando do reconhecimento ou execução dos laudos arbitrais nacionais.” O
registro que se tem dessa linguagem, tida por muitos como inadequada e
obscura, é de que a mesma seria produto de uma proposta feita pelo
delegado inglês à sessão de elaboração da Convenção. Segundo o delegado
inglês, a intenção em se incluir essa linguagem foi a de assegurar que
nenhuma restrição adicional fosse imposta e que pudesse impedir a livre
execução do laudo arbitral.
Baseados
nessa linguagem da Convenção, há os que entendem, no Brasil, que a
exigência de homologação do laudo arbitral estrangeiro pelo Supremo
Tribunal Federal seria incompatível com o espírito e a letra da
Convenção de New York, caso em que estaria sendo esta violada ao se
admitir a necessidade de obtenção do exequatur para execução desses
laudos. Não partilhamos desse entendimento, postulando que a exigência
de homologação é coerente e consistente com o espírito e a letra da
Convenção de New York. E é justamente sobre este tema e questões a ele
conexas que se refere este artigo.
A
melhor forma de iniciar a análise do tema proposto nos parece ser uma
revisão detalhada de algumas disposições específicas relativas ao
procedimento arbitral, na forma descrita na Lei de Arbitragem, para, em
seguida, examinarmos a questão do ponto de vista da Convenção de New
York.
Desvencilhando-se
de prática adotada na legislação revogada, a Lei de Arbitragem trouxe
um sopro de oxigênio ao instituto ao dispensar a exigência de
homologação do laudo arbitral nacional como condição prévia à sua
execução. O artigo 31 da Lei de Arbitragem determina que o laudo
arbitral produz os mesmo efeitos da sentença proferida pelos órgãos do
Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo. A
revogação do artigo 1078 do Código de Processo Civil permitiu portanto
que se conferisse, de imediato, ao laudo arbitral nacional os efeitos de
sentença judicial, o que, na legislação anterior, somente ocorreria
quando obtida a respectiva homologação pelo Poder Judiciário.
Os
que defendem a inexigibilidade da homologação do laudo arbitral
estrangeiro pelo Supremo Tribunal Federal pós-ratificação da Convenção
de New York se baseiam na comparação do tratamento outorgado pelo artigo
31 ao laudo arbitral nacional, alegando, assim, que a exigência imposta
àquele seria mais onerosa que a imposta ao laudo arbitral nacional e,
consequentemente, corresponderia a uma violação ao espírito e à letra da
aludida Convenção.
Deixemos,
por um momento, de lado, a questão central deste artigo e examinemos a
natureza dos laudos arbitrais à luz da Lei de Arbitragem. A Lei de
Arbitragem, ao regular no artigo 34 e seguintes o reconhecimento e
execução de laudos arbitrais estrangeiros, definiu estes, no parágrafo
único do artigo 34, como sendo “o que tenha sido proferido fora do
território nacional.” Mesmo correndo o risco da obviedade, mas em favor
do encaminhamento lógico do raciocínio, tem-se que admitir como
nacionais os laudos arbitrais proferidos nos limites do território
nacional. Com base nessa dualidade de laudos, convencionou-se
distinguir, por conseguinte, duas categorias de arbitragens – as
nacionais ou domésticas e as internacionais.
No
entanto, parece-nos que definir a natureza da arbitragem com base,
apenas, no local em que o laudo foi proferido não é a forma mais
precisa. Não se entenda daí que não concordamos com a definição de laudo
nacional e laudo estrangeiro, mas entendemos que as categorias de
arbitragem existentes se definam, apenas e tão somente, pela
nacionalidade do laudo arbitral, entendida esta como o local em que o
laudo tenha sido proferido.
Internacional
será a arbitragem em que estejam envolvidas partes nacionais e
estrangeiras, mas não necessariamente será estrangeiro o laudo proferido
em qualquer dessas arbitragens. Isso somente ocorrerá, caso o laudo
seja proferido fora do território nacional. Assim sendo, podemos
imaginar duas arbitragens internacionais envolvendo as mesmas partes –
uma delas domiciliada no Brasil e outra, no exterior. Numa delas, o
local de arbitragem se situa fora do território brasileiro e na outra,
no Brasil. No primeiro caso, teremos um laudo proferido no local da
arbitragem e, consequentemente, um laudo arbitral estrangeiro, ao passo
que na outra, proferido em território brasileiro, o laudo arbitral será
considerado não estrangeiro. Portanto, duas arbitragens internacionais
com laudos arbitrais de nacionalidade distinta. No caso da arbitragem em
que se convencionou ser o Brasil o local da arbitragem, não se poderá
dizer que, a despeito da existência de um laudo não estrangeiro, a
arbitragem será tida como nacional ou doméstica.
Neste
passo, deve estar o leitor se perguntando a razão pela qual insistimos
em utilizar a expressão “laudo não estrangeiro” em lugar de utilizarmos,
como seria o caso óbvio, “laudo nacional”. É verdade que utilizamos
essa terminologia por não concordarmos, como já dissemos, que as
categorias de arbitragem se definam, apenas e tão somente, pela
nacionalidade do laudo arbitral. Na realidade, entendemos existirem
laudos nacionais, laudos estrangeiros e laudos não estrangeiros e que
não são, necessariamente, laudos nacionais ou domésticos. A distinção
terminológica não é mera filigrana sem importância concreta. E isso
iremos agora demonstrar.
Do
ponto de vista da legislação da jurisdição onde o laudo arbitral é
proferido, a distinção entre laudos estrangeiros e laudos nacionais
poderá ser suficiente. No caso brasileiro, o é. E assim o é, pois essa
distinção é suficiente para determinar os procedimentos a serem adotados
em caso de execução por não cumprimento voluntário pelas partes na
arbitragem ou intervenção do Poder Judiciário para apreciação da
legalidade do laudo arbitral então proferido. No caso brasileiro, o
laudo nacional tem status similar à decisão judicial, podendo ser
executado de imediato, enquanto que, no caso de laudos arbitrais
estrangeiros, prevalece a exigência de homologação prévia pelo Supremo
Tribunal Federal como condição para a execução.
Entendemos
que a dificuldade de se ver claramente a diferença entre laudos
estrangeiros e não estrangeiros (sem que se qualifiquem estes como
nacionais) é de natureza prática e engendrada pelo marco legal e
convencional existente até pouco no Brasil, fazendo com que a maior
parte das arbitragens se realizasse fora do País. A obsolescência da
legislação brasileira e a relutância em aderir às modernas convenções
multilaterias jamais criaram condições para que o Brasil fosse
considerado um porto seguro para a realização de arbitragens
internacionais. Em muitos dos casos, optaram as partes por New York,
Londres, Paris e outros centros reconhecidos internacionalmente como
aptos e seguros para a realização das arbitragens.
No
exemplo da duas arbitragens com as mesmas partes e em locais distintos,
como descrito acima, será difícil admitir-se que uma delas não
desembocará necessariamente num laudo estrangeiro (por ser realizada
fora do País) enquanto a outra será objeto de um laudo nacional ou
doméstico. Em ambos os casos, trata-se de uma arbitragem internacional,
já que as partes têm domicílios distintos, uma no Brasil e a outra no
exterior. É importante que se insista no fato de que a natureza
internacional não decorre da nacionalidade das partes, nem mesmo de uma
eventual escolha de lei estrangeira substantiva, mas, apenas e tão
somente, da diversidade de domicílios. A escolha da lei substantiva
estrangeira não terá, na arbitragem, assim como não tem no exame da
controvérsia pelo Poder Judiciário, o efeito de modificar a natureza da
arbitragem. Se realizada no Brasil entre partes que aqui estejam
domiciliadas ou, no caso de uma empresa estrangeira, que aqui mantenha
filial ou subsidiária, a escolha da lei em nada alterará a nacionalidade
da arbitragem.
Admitamos,
por exemplo, que o laudo arbitral seja favorável à parte estrangeira
naquela que seja realizada fora do Brasil e à brasileira na realizada
localmente. Admitamos, ainda, apesar do inusitado da situação, mas de
novo em prol da lógica do raciocínio, que nenhuma das partes cumpra
espontaneamente a decisão contida no laudo arbitral. Nesse caso, cada
uma delas irá adotar os procedimentos legais para permitir a execução.
Examinemos a situação da arbitragem em que o laudo decidiu pelo direito
da parte domiciliada no Brasil. Inexistindo ativos da parte estrangeira,
deverá a parte brasileira executar o laudo na jurisdição onde se
encontrem os bens da parte vencida ou em seu domicílio. Dessa forma, e
seguindo os procedimentos legais daquela jurisdição, o laudo arbitral
será ali considerado como um laudo estrangeiro. Mas será que, no Brasil,
local de realização da arbitragem, ainda assim ele será considerado um
laudo nacional? Acreditamos que não e estamos seguros de que não o é.
Daí preferirmos adotar a terminologia de laudo não estrangeiro. O que
importa para a legislação brasileira é que proferido no Brasil estará
ele revestido dos mesmos efeitos de uma sentença judicial. Assim sendo,
tivesse o laudo reconhecido, naquela mesma arbitragem, o direito da
parte estrangeira, à ocorrência de recusa de cumprimento espontâneo da
condenação pela parte brasileira, estaria a parte estrangeira autorizada
a executar o laudo sem qualquer necessidade de homologação, como se o
laudo não estrangeiro fosse um laudo nacional.
Portanto,
entendemos que a nacionalidade do laudo será função da natureza da
arbitragem e do local de sua realização. Esse critério permite que
possamos distinguir claramente, e com efeitos práticos importantes, os
tipos de arbitragens reconhecidos no País e que são as arbitragens
nacionais ou domésticas, envolvendo, apenas e tão somente, partes
domiciliadas no Brasil ou que aqui mantenham ativos, e arbitragens
internacionais, envolvendo partes domiciliadas no Brasil e no exterior,
sendo que, quanto a estas, poderão ser ou não realizadas no Brasil. Caso
sejam, os laudos proferidos terão natureza distinta dos laudos
nacionais, mas não sendo como tal considerados, apesar de efeitos
similares quanto à execução. Referimo-nos aqui então aos laudos não
estrangeiros, como convencionamos chamar à falta de maior criatividade.
Não
há dúvida de que se tem dito que todo o laudo arbitral será considerado
doméstico para fins do local de realização da arbitragem e estrangeiro
aos olhos da lei do domicílio da parte que não o tiver no local de
realização da arbitragem. Essa dupla natureza do laudo, no entanto,
parece-nos prevalecer apenas nos casos de laudos que, em nossa
terminologia, se caracterizem como laudos não estrangeiros. Nas
arbitragens genuinamente nacionais ou domésticas essa característica não
há de prevalecer. Aliás, não há o menor interesse prático na distinção.
Se ambas as partes estão domiciliadas no local de realização da
arbitragem e ali têm seus ativos, inexiste qualquer razão para que se
adote a distinção. Portanto, se temos como certo que nesses casos a
distinção não prevalece e se torna inaplicável, logicamente não se
poderá adotar o princípio como regra geral. Consequentemente, essa dupla
faceta somente estará presente nos casos de arbitragens internacionais
que contemplem laudos estrangeiros e não estrangeiros, como
convencionamos denominar.
Resta, ainda, saber se esse critério se coaduna com o espírito e a letra da Convenção de New York, foco central deste artigo.
A
linguagem do Artigo I da Convenção de New York determina que esta se
aplica ao reconhecimento ou execução de laudos arbitrais proferidos no
território de um Estado que não o daquele Estado em que se busca o
reconhecimento e execução. Estamos aqui diante da arbitragem imaginada
em nosso exemplo em que a parte brasileira e a parte estrangeira
decidiram que o local da arbitragem se situasse fora do Brasil, podendo
ser no de domicílio da parte estrangeira ou um local neutro. Em ambos os
casos, estaríamos diante de um laudo arbitral estrangeiro para fins de
execução no Brasil.
Além
disso, o Artigo I da Convenção de New York estabelece que ela se
aplicará também aos laudos arbitrais não considerados nacionais no
Estado em que se busque o respectivo reconhecimento e execução dos
mesmos.
Ora,
parece que nossa preocupação em distinguir laudos nacionais de laudos
não estrangeiros, ainda que ambos sejam proferidos no Brasil, tem
efeitos mais práticos do que se pudesse imaginar. Tenhamos em mente que
sendo as partes na arbitragem oriundas de países signatários da
Convenção de New York e apenas uma delas brasileira, essa arbitragem,
ainda que realizada no Brasil, continuará sendo caracterizada como uma
arbitragem internacional no contexto da Convenção de New York.
Sendo
assim, não há como se defender que o laudo proferido no Brasil seja um
laudo nacional, mas certamente será um laudo não estrangeiro. Em suma,
embora a Lei de Arbitragem defina expressamente o que seja um laudo
estrangeiro, inexiste nela qualquer disposição, expressa ou implícita,
que impeça a adoção da terminologia distintiva por nós proposta.
Portanto, a Convenção de New York se aplica aos laudos estrangeiros e
aos não estrangeiros, mas certamente não se aplicará aos laudos
nacionais.
Consequentemente,
ao definir laudos não estrangeiros referimo-nos aos que, embora
proferidos no Brasil, dizem respeito a solução de controvérsias surgidas
no contexto de arbitragens internacionais, sendo que a execução desses
laudos arbitrais, no Brasil, estará sujeita às mesmas regras aplicáveis à
execução dos laudos nacionais.
Esgotada
essa digressão, não menos relevante que o tema central deste artigo,
examinemos a questão relativa ao Artigo III, fundamento utilizado para
se reivindicar a desnecessidade de homologação pelo Supremo Tribunal
Federal.
O
Artigo III da Convenção de New York estabelece que “cada Estado
Contratante reconhecerá os laudos arbitrais como vinculativos e os
executará de acordo com as regras procedimentais do território onde o
laudo arbitral seja invocado, segundo as condições previstas nos artigos
seguintes.
Ao reconhecimento ou execução dos laudos arbitrais a que se
apliquem esta Convenção não serão impostas substancialmente condições
mais onerosas ou custas ou encargos maiores que os impostos quando do
reconhecimento ou execução dos laudos arbitrais nacionais.”
Estamos
aí diante do texto sugerido pela delegação inglesa que, segundo foi por
esta manifestado, visa a assegurar que nenhuma restrição adicional
fosse imposta e que pudesse impedir a livre execução do laudo arbitral. O
importante na justificativa apresentada pela declaração da delegação
inglesa, esta fonte legítima de interpretação, é de que nenhuma
restrição adicional fosse imposta. Evidentemente, restrição adicional,
na forma mencionada, seria qualquer outra que não as constantes do texto
da Convenção.
No
entanto, parece-nos bastante importante analisar a primeira parte do
Artigo III em benefício de um melhor entendimento do texto. Em primeiro
lugar, a assertiva constante do texto da Convenção, e esta tem caráter
geral, é de que os Estados Contratantes reconhecerão os laudos arbitrais
(e certamente se refere aos proferidos no contexto da Convenção) como
vinculativos e os executará de acordo com as regras procedimentais do território onde o laudo arbitral seja invocado.
Ora, a única interpretação possível decorrente da linguagem da
Convenção é de que os Estados Contratantes terão a liberdade de
estabelecer o mecanismo de reconhecimento ou execução de laudos
arbitrais segundo as leis locais. Portanto, no que tange a esta parte do
texto o foco da Convenção é o de conferir aos Estados Contratantes
liberdade de estabelecer o que vamos denominar de procedimentos para reconhecimento ou execução.
Logo, a legislação interna de cada Estado Contratante poderá atribuir a
tarefa de reconhecimento ou execução do laudo arbitral ao órgão do
Poder Judiciário de seu território, segundo a sua respectiva organização
judiciária. No caso brasileiro, na forma da Lei de Arbitragem, essa
função se insere na competência do Supremo Tribunal Federal. E não
poderia ser de forma distinta, já que corresponde à tradição jurídica
brasileira, tal como ocorre na homologação de sentenças judiciais
estrangeiras, na forma prevista no artigo 15 da Lei de Introdução ao
Código Civil.
Por
outro lado, a continuação do texto da Convenção cuida das condições
segundo as quais o reconhecimento ou execução de laudos arbitrais estará
subordinado, ou seja, as condições previstas nos artigos seguintes. Portanto, trata-se aqui de condições para a execução e não mais de procedimentos para a execução.
Há liberdade outorgada aos Estados Contratantes para estabelecer
procedimentos para a execução segundo as lei locais, mas os órgãos
judicias competentes de cada Estado Contratante estarão adstritos às
condições contidas nos Artigos IV, V e VI, sendo que, quanto aos dois
últimos, refere-se a Convenção às hipóteses de recusa para
reconhecimento ou execução de laudos arbitrais.
Feita
esta distinção fundamental entre procedimentos e condições para a
execução de laudos arbitrais, examinemos a extensão da linguagem contida
no texto da Convenção e defendida pela delegação inglesa. Nunca será
demais repetir o texto que estabelece que “ao reconhecimento ou execução
dos laudos arbitrais a que se apliquem esta Convenção não serão
impostas condições substancialmente mais onerosas ou custas ou encargos maiores que os impostos quando do reconhecimento ou execução dos laudos arbitrais nacionais.”
Há dois aspectos importantes a mencionar quanto ao texto da Convenção. Ao utilizar a expressão “condições mais onerosas”,
a Convenção se refere especificamente às condições para reconhecimento
ou execução, nada tendo a ver, portanto, com os denominados
procedimentos para reconhecimento e execução. É muito importante que não
se confundam as duas expressões, já que a linguagem do Artigo III as
adota com o sentido mencionado acima, não podendo ser ambas tidas como
intercambiáveis. Essa interpretação está coerente com a intenção
pretendida pela delegação inglesa, que se referia simplesmente a
condições e não a procedimentos.
Por
outro lado, ao se referir a condições mais onerosas que as aplicáveis
aos laudos arbitrais nacionais, e nesta categoria incluiríamos os que
denominamos de laudos arbitrais não estrangeiros, o que busca a
Convenção é evitar que se criem condições adicionais àquelas contidas na
própria Convenção e que, mutatis mutandis, refletem um consenso das
legislações para reconhecimento de laudos arbitrais, ou a recusa destes.
Vale
lembrar que, na categoria de condições mais onerosas, estaria a
exigência que, por muitos anos e até pouco tempo no Brasil, vigorou de
que o Supremo Tribunal Federal somente outorgaria o exequatur a laudos
arbitrais estrangeiros que fossem inicialmente reconhecidos por Tribunal
do local onde se realizou a arbitragem.
Assim
sendo, entendemos inexistir fundamento na afirmação de que a exigência
de homologação dos laudos arbitrais estrangeiros pelo Supremo Tribunal
Federal seria dispensável por atentar contra a letra e o espírito da
Convenção de New York. Essa exigência se enquadra na liberdade conferida
aos Estados Contratantes para determinar procedimento de acordo com sua
legislação interna. Negar esse direito aos Estados Contratantes é
transformar a linguagem da Convenção em letra morta. Certo é, no
entanto, que, no decorrer do juízo de delibação do Supremo Tribunal
Federal, deverá ele levar em conta as condições previstas na Convenção e
que, na realidade, se encontram dispostas nos artigos 37, 38 e 39 da
Lei de Arbitragem.
Estamos
cientes de que este artigo contém algumas posições que divergem
daquelas usualmente adotadas e que são tidas como insofismáveis. No
entanto, e sobretudo no caso brasileiro onde tudo é novo no campo da
arbitragem, o debate é saudável e bem vindo. Não pretendemos ser
detentores de verdades incontestáveis, mas desejamos que se tenha
abertura de raciocínio para refletir sobre questões dessa natureza.
Nesse sentido, ficam essas idéias colocadas para discussão, na certeza,
pelo menos, de que refletem uma interpretação coerente do texto da
Convenção e de nossos textos legais.
José Emilio Nunes Pinto
Sócio de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados
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