- Por João Bosco Pacheco (*)
A possibilidade da arbitragem nas causas que envolvem o Estado é ainda
discutida, mesmo diante de importantes precedentes do STF favoráveis,
como os que ocorreram no Caso Minas x Werneck, e no Caso Lage, neste, o
STF asseverou não ser possível que a União fosse impedida de submeter
questão que possa ser objeto de transação à solução arbitral. Sendo
assim, para resolver a pendência do valor a ser pago em decorrência da
desapropriação de bens com as Organizações Lage, constituída por
empresas privadas que se dedicavam à navegação, estaleiros e portos, a
própria União submeteu-se a arbitragem, o que foi considerado válido.
Para doutrina clássica a arbitragem violaria o princípio da legalidade, o princípio da inafastabilidade do judiciário e o princípio da indisponibilidade do interesse público.
O princípio da legalidade pode ser evidenciado desde a CF/88, como o inciso II do § 1º do art. 173 da CF/88 que determina às empresas públicas, às sociedades de economia mista e suas subsidiárias a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Infraconstitucionalmente, o art. 54 da Lei 8.666/93 diz que os contratos administrativos regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado; o art. 23, XV da Lei 8.987/95 preconiza o foro e o modo amigável de solução das divergências contratuais; o art. 1º da Lei 9.307/96 estabelece que as pessoas capazes de contratar possam valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis; o inciso III do art. 11 da Lei 11.079/04, que trata da parceria público privado estipula o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem; o art. 23-A da Lei 8.987/95 dispondo sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, permite que o contrato de concessão possa prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem.
A constitucionalidade já é tema superado. O STF decidiu que a arbitragem não fere o princípio da indeclinabilidade do Judiciário previsto no Art. 5, XXXV da CF/88. (STF, SE-AgR 5206 / EP – ESPANHA, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, publicado no DJ 30-04-2004 PP-00029.).
Dessa forma, a doutrina contemporânea e a jurisprudência admitem que a arbitragem seja utilizada no ramo do Direito Administrativo, desde que a controvérsia verse sobre direitos disponíveis, entendido, nesse contexto, como os atos do Estado que pratica atos de gestão, nos quais o interesse público é secundário.
O princípio da indisponibilidade do interesse público não é prejudicado com a transferência das pendências contratuais para a arbitragem. É justamente pensando no interesse público que se recomenda no sentido de havendo qualquer dissenso em contratos de que participe a Administração Pública e entidades privadas, seja a controvérsia resolvida pela arbitragem, que é mais rápida, técnica e menos onerosa.
Em que pese os fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e legais pró-arbitragem nas empresas estatais e de economia mista, o TCU vem se mostrando resistente, dispondo não ser possível a participação da Administração em arbitragens sem lei autorizativa (decisão 286/93, decisão 763/94, decisão 188/95, decisão 394/95, acórdão 584/03, decisão 215/04, acórdão 587/03, acórdão 631/03, acórdão 1271/05, acórdão 537/06 e acórdão 1099/06). O Acórdão nº 391/2008, alinhado ao entendimento da Decisão nº 188/95-TCU/Plenário, considera válida a possibilidade da utilização do juízo arbitral desde que não se inclua na parte de arbitragem situações que não observem estritamente o princípio da legalidade e da indisponibilidade do interesse público. Nota-se a manutenção da resistência do TCU à arbitragem na seara pública, o que demonstra a visão tradicional do conceito de interesse público vinculado à visão econômica relativa à sua disponibilidade ou indisponibilidade, o que norteia os julgados.
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(*) Advogado e Professor do curso de Direito da UNITRI.
Bibliografia:
CARMONA, Carlos Alberto. Comentários à Lei 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
ALVIM, J. E. Carreira. Direito Arbitral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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